Da amiga Joaquina Pires recebi, em Belém, estes dois livros
da sua autoria, em colaboração com Manuel
Carvalho, “Rostos, Olhares e Memória” (2012), editado pela
UTL-Universidade dos Tempos Livres, e Rostos, Olhares e Identidade
(2013), Editor, Eduino Martins, A Voz de Portugal.
O primeiro livro, [1] “Rostos, Olhares e Memória”, 2012, (152 págs.), é
um conjunto de 17 entrevistas, a emigrantes da Comunidade Portuguesa de
Montreal, Canadá.
Ao longo das variadas entrevistas, mais homens do que mulheres,
ressalta a nostalgia dum tempo difícil, saída muito cedo do interior de
Portugal continental ou dos Açores, a adaptação a um mundo estranho, com regras, cores e
língua diferentes e desconhecidas.
A tudo isso os emigrantes de coração cheio de fé deitaram mãos
e com alma portuguesa, herdada das serras, batalhas e descobertas, deram a
volta ao destino madrasto: Cresceram, casaram, tiveram filhos e de mãos nuas,
encontraram orgulho na comunidade que construiram, lá bem longe, na simetria da
saudade com a alma de todos e de cada um.
Como os autores dizem “é uma homenagem aos homens e mulheres
que, num humilde anonimato, ergueram com mãos calejadas, o futuro das gerações
vindouras.”
Na escrita transparente ressalta a ternura dos diálogos e a
evocação de vidas, o encontro de olhares sobre o passado e a cumplicidade de
pessoas que se admiram e estimam.
É um registo histórico de vidas, sal da terra, fermento de dias
melhores e testemunhas duma sociedade mais justa.
Do conjunto destas entrevistas sobressai a história dum
soajeiro, Fernando Pires, pastor de rebanhos e de sonhos (pág.59). Os autores
começam assim: “Era uma vez um rapazito que guardava cabras nas margens do rio
Lima…”.
Era o mais velho de nove irmão, sem tempo para ir à escola, na
pegada dos rebanhos, serra acima, serra abaixo. Aos 14 anos ruma a Setúbal,
como aprendiz de padeiro, ao encontro do pai, fiscal da panificação. Dali,
parte para S. Pedro do Estoril, a vender pão de bicicleta.
Aos dezassete anos atravessa os Pirinéus e na Alsácia fica a
viver num vagão abandonado. Depois de muitas peripécias e aventuras, vai da
Alsácia a Marselha, de Paris à Bretanha, de tijolo em tijolo na construção de
si e de casas para os patrões franceses.
De aventura em aventura dá com os costados no Canadá, onde
encontra um amigo soajeiro (Luís Barbosa?). Dessa amizade ganha uma nova
consciência, iniciando por essa altura a sua intervenção cívica e política:
Manifestação contra a guerra colonial, a guerra do Vietnam e a luta pela
independência do Quebec, a criação do MDP.
Começa como pedreiro, mas de seguida, passa para eletricista e
taxista por conta própria, tendo sido fundador da TaxiCoop e vários anos
secretário da Ligue du Taxi de Montreal.
Após o entusiasmo do 25 de Abril, regressa à escola e conclui um
Curso Universitário de animação cultural. Frequenta ainda uma licenciatura em
Filosofia.
Participa activamente na comunidade, foi professor em programas
de alfabetização de adultos, assina uma coluna no jornal Lusopress e é membro
do conselho de administração da Caixa Portuguesa Desjardins.
Sente a necessidade dum centro de documentação da comunidade
portuguesa, onde reunir o espólio disperso por vários particulares.
Foi fundador e colaborador do Jornal A Voz de Soajo
Os autores terminam dizendo”…debaixo da boina basca, nunca lhe
desapareceu do olhar uma luzinha travessa a denunciar a criança que apascentava
cabras nas margens do rio Lima…”
Este soajeiro ainda continua a ” guardar sonhos nas margens do
rio largo da vida.”
Do amigo de férias em Soajo, fica um retrato possível.
Mas as histórias são como as cebolas, uma casca dentro de outra,
até ao cerne, onde nos esperam as lágrimas, de sorrisos na mão.
Quem sabe um dia, o Fernando pega na caneta e no papel e
nos conta as peripécias da sua vida e o entendimento que dela evolui ao longo
da sua existência. Porque não começar por oferecer o relato da sua vida, o
colorido e sabor das suas reflexões, aos familiares e amigos e a um Centro de
Documentação Soajeiro, uma homenagem sentida a todos aqueles que nunca
desistiram?
Fernando, vamos a isso?
Obrigado, Joaquina!
Obrigado, Manuel Carvalho!
O segundo livro, [2] Rostos, Olhares e Identidade, 2013, (162 pág.s),
procura questionar, através das entrevistas aos filhos dos primeiros
emigrantes, o conceito de identidade e cultura. Porque caminhos da vida
enveredou a 2ª geração de origem portuguesa de Montreal? Que padrões e
características a definem? Que futuro para a cultura portuguesa na alma destes
emigrantes?
Procure o leitor, algumas respostas na leitura deste livro.
Testemunhos interessantes, de quem vem dum lado e vai para outro. Vem donde e
vai para onde? E com quem? Que rebanhos guarda?
Oeiras, 16 de nov.
Manuel Rodas
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