- Queres vir às putigas?
- Quero!
Sempre que podia ia de mão dada. A
mão erguia-se acima da cabeça, procurava a dela que estendida agarrava a minha.
Era mais seguro e sabia-me bem o calor húmido do corpo.
Pelo caminho, já perto da mina,
assustei-me com um levantar rápido das perdizes e o piar dos perdigotos. A mãe,
ou o pai, ou os dois de longe chamavam os filhotes, e estes visivelmente
espavoridos corriam entre os fetos e os sargaços, urzes e giestas, numa azáfama
de corações enlouquecidos...até permanecerem imóveis de rabo pro ar a passarem
despercebidos, os marotos...
Ela ria-se, dos medos e das nervosas
criaturas.
- Olha aquele tão pequenino... como
ele corre...
- E não se perdem da mãe?
- Não... eles sabem orientar-se...
Às vezes caminhava atrás dela e
olhava para as pernas longas e brancas no verão e escuras de meias no inverno.
A pouco e pouco fui tendo a certeza
que ela sabia e não dizia nada. Comprimia levemente os lábios vermelhos,
semicerrava os olhos em desalinho e sorria num desafio. Às vezes apertava a
saia contra as pernas e fazia um sorriso benevolente, com um meneio de cabeça, em
sinal de desaprovação, mas que eu entendia mais como um estímulo para
continuar, do que uma recusa ou reprimenda séria...
As pedras também tinham segredos.
Espreitava e se podia virava-as ao contrário e o que procurava?
Corredores e corredores esculpidos na
terra por centopeias ou bichos-de-conta.
Tantas pernas... e não se enganavam.
Se se enganassem podiam começar a andar para trás, ou tropeçar umas nas outras
e fazer cair o corpo avermelhado.
Os sargaços, uns arbustos rasteiros,
sarapintados de flores brancas e exalavam um perfume entre o mel e o acre
resinoso. Junto à raiz nasciam umas protuberâncias vermelhas, do tamanho do
indicador, com as pontas amareladas. Arrancava-as e depois de espremidas
soltavam uma gelatina gostosa que leitosamente absorvíamos com os lábios e
fruíamos da natureza, em estado puro. Eram as putigas.
- Queres vir às putigas?
Era maio. Elas ofereciam-se em forma
de pinhas, com gomos amarelos vibrantes!
Do lado esquerdo do quintal havia
umas escadas de granito íngremes. Era o sitio onde as pernas dela eram maiores,
até cima, ao escuro... Era também o local onde mais sorria e... não dizia nada.
Às vezes abraçava-me... e sorria...
Eu sentia que o vento era mais forte,
o sol queimava mais e o azul do céu estava mais perto e as ervas, as plantas e
os animais se afastavam de mim como se estivesse a flutuar. As cores e os
cheiros eram mais intensos e lá no fundo ninguém me acenava e eu não via
ninguém...flutuava…um grão de pó entre o tudo e o nada, na fronteira precisa
entre o dia e a noite, entre o desejo e a morte.
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