Havia um rio onde tomavam banho nos
dias quentes de agosto. Havia um pessegueiro que dava pêssegos carecas e ali a
vida parecia ser calma e o sol punha-se sempre com tristeza, no final do dia.
- Deixa lá, amanhã já volta outra vez!
E se um dia não volta? Seriamos
capazes de viver às escuras?
Um dia apareceram lá em casa um homem
e a mulher com ares estranhos de naturistas. Não comiam carne, nem bebiam vinho.
Traziam pouco pertences, uns panos e… um livro de S. Cipriano. Dormiram em casa
e toda a noite falaram, falaram com o guarda e com a mulher. Incendiaram-lhes a
alma na promessa de tesouros, fadas e mouros e mouras. Eles sabiam o sítio, o
local exato, assinalado no livro. Também sabiam as palavras e rezas, ou orações
para desencantar o que estava encantado. Precisavam de braços e enxadas para
desenterrar o enterrado e prometido. Mas as crianças não podiam ir.
Às crianças tudo lhes acontece. As
únicas que acreditam em tesouros escondidos e são as únicas que não podem ir…
- Conte mãe, como foi?
- O homem levava um papel na mão com
uma cruz. Quando lá chegaram, voltou a ler o livro e depois de muito olhar em
redor, em silêncio, fez uma cruz no chão descampado e disse: É aqui!
- Disse só é aqui? Não disse mais
nada? E como sabia que era ali?
- Via no livro. Os outros dois homens
que foram connosco, começaram a escavar, enquanto ele lia baixinho o livro e a
mulher dizia coisas que não se percebia. Passado algum tempo apareceram quatro
ramos de árvore com as pontas viradas para o centro.
- Quem as virou, mãe?
- Sabe-se lá! Depois de escavarem
mais, com o homem a ler o livro e a mulher a rezar, apareceu um sapo.
- Um sapo? O sapo pode viver assim
debaixo da terra?
- Parece que sim. Ele estava lá e
atiraram-no para longe. E continuaram a escavar. E só apareceram uns cacos de
barros, duns pratos ou coisa parecida.
- E o tesouro?
- Não apareceu nada, mas que há coisas
há!
Benzia-se a mãe, enquanto o pensamento lhe fugia para outros tesouros.
Benzia-se a mãe, enquanto o pensamento lhe fugia para outros tesouros.
- Podem já outros terem descoberto e
levado o tesouro?
- Se calhar é o mais certo, mas como
eles sabiam que era ali? Há cada coisa…
Afastava-se para tratar da roupa ou da
comida.
Mas os filhos ficavam a pensar nos
tesouros perdidos. Seriam de ouro e prata, mais prata ou mais ouro? Diamantes,
pérolas e rubis… E os mouros que lá o deixaram. Fugiram à pressa, perseguidas
por cavaleiros. Teriam tempo de levar os filhos e as mulheres? Teriam voltado e
levado o tesouro às escondidas?
Não sabiam. Mas à noite depois de calcorrearem
a serra e ingerido uns bons quilos de medronhos vermelhinhos, de sabor a mel,
as pernas trémulas e amaldiçoadas pelo espírito dos mouros traíam o equilíbrio.
Na cama voltavam os mouros, às risadas, em confraternização com os pais, na
cozinha. Só os arrotos a medronho embalavam estes sonhos. Até de madrugada.
Novo sol, novo dia, novas promessas. De quê?
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