sexta-feira, 21 de agosto de 2020

É o fogo






Ouvia os meu passos na escada de madeira
e íamos passear os teus 4 anos ao jardim dos patos
Ias de saia azul e fita no cabelo
e os teus pés aprendiam o doce equilíbrio da vida

Reparávamos em tudo à nossa volta
as ervas, as flores, os arbustos verdes e a nuvem refletida na água
dançando em círculos reflexos nas patas dos patos
e nas cabeças hesitantes dos cágados

Um dia quiseste rebolar na relva dum alto
que para ti seria uma montanha
Esperei ao fundo
enquanto te via bolear na erva verde
e o meu coração ansioso pelo mal que te poderia acontecer

Mas perguntava me
que mal pode acontecer
a não ser a tua saia com manchas de verde
e as faces róseas pintadas de vermelho?
Também eu já tinha rolado por quantas montanhas
quantos declives de ervas e pedras...

Fomos crescendo
com essa imagem de crianças felizes
a confirmar nos meus olhos
a felicidade que ia nos teus

Todas as manhãs corríamos para a carruagem
que nos iria levar ao teu palácio
onde aguardavam outros príncipes e princesas
entregues às mãos duma rainha
tendo a certeza que no final do dia
iríamos descobrir a forma de levar água ao loureiro
e matar a sede dos peixes vermelhos

Foi mais tarde que vieram os estranhos
e habitaram as tuas noites
enquanto eu ficava à espera
sentado no tapete da entrada
que o declive trouxesse nova luz
e os maus desaparecessem para sempre

As sombras  instalaram-se nas nossas vidas
usurpando os abraços e sorrisos que tínhamos guardados
Resistimos aqui, onde a humanidade começou
e alguém gritou: não é! É fogo!

Agora sei que a viagem não terminou
que sou pai, irmão, avô, primo e sobrinho
todas as formas que o amor pode ser
por mais verde que seja o verde
e mais escuras as sombras que nos habitam

Deixa- me dizer-te
com as mãos a agarrar as raízes de flores que hão de vir
tenho saudades de nós e ...dos patos!

MRodas



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