sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Uma história de guerra em 500 palavras



Maria do Carmo

A minha avó sabia como ninguém, como eu gostava das histórias trágicas.
- Conte aquela da guerra, avó!
Ela começava sempre assim:
Naquela aldeia havia dois rapazes que gostavam muito da Maria do Carmo, o Manuel e o José. Ela gostava dos dois e não se decidia a casar, até que uma noite, no regresso da romaria, quando os sonhos são mais bonitos e as estrelas se deixam tocar com os lábios, o Manuel, para a consolar disse-lhe: Não faz mal, eu caso contigo.
Quando se soube que eles iam casar, o José nunca mais foi o mesmo. Triste, magro e desinteressado da vida.
Uns dias antes do casamento, o Manuel foi convocado para o serviço militar. Ora, foi uma tristeza geral. Passado algum tempo, a Maria do Carmo recebeu uma carta dum colega a dizer que o marido tinha desaparecido na batalha de La Lys. Nunca mais recebeu carta nenhuma. À medida que o tempo ia passando sem notícias do Manuel, melhoravam os dois:  ela, porque julgando o marido morto, arregaçou as mangas e se fez à vida novamente, e o José, porque podia finalmente concretizar o seu amor. Toda aldeia concordava e incitava os dois a que se unissem e fossem felizes.  Assim fizeram.
Corria a vida muito bem aos dois até que passados três anos, uma carta anunciava o regresso do Manuel. Que o fosse esperar ao comboio a Braga.
Depois de aconselhada por toda a aldeia e pelo padre, a Maria do Carmo foi a Braga. Recebeu o marido com preocupação e, sentados no muro em volta da estação, contou-lhe tudo o que se tinha passado e agora não sabia como resolver  a situação. Choraram os dois abraçados. Caiu-lhe ele dos braços, escorregou para o chão, estava morto. Chamada a polícia e os bombeiros levaram o corpo para o Quartel de Braga, apurou-se que tinha sido do coração a causa da morte, e voltou ela para casa, muito desolada e triste, mas também esperançada que deste modo poderia continuar a sua vida com José. Parece que Deus tinha resolvido as coisas, com muita mágoa, mas enfim, poderia ainda acabar bem esta história.
Quando a Maria do Carmo chega a casa, julgando que o marido estava nos campos, mete  a chave na porta e vai ao seu quarto para mudar de roupa e o que vê ela deitado na sua cama? O José, a escorrer sangue ainda quente e com uma pistola na mão. 
Ela cheia de dor, em cima de dor, rasga a blusa, pega na pistola ainda fumegante e aponta-a ao peito.
-  Espere, avó, espere aí... só mais um bocadinho, que eu volto já!
Eu corria, corria pelos caminhos a combater inimigos imaginários e a adivinhar o que se passaria a seguir.
- Conte aquela da guerra, avó!
- Logo, agora não!
O tempo correu muito depressa, a avó partiu e ainda hoje não sei o que fez a Maria do Carmo com a pistola e com a sua vida!
Maldita guerra!


MRodas

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