sexta-feira, 19 de junho de 2015

Como herdei o Padrão dos Descobrimentos




Padrão dos Descobrimentos

Quando abri a porta mal podia supor que era um velho de fato e gravata, com chapéu na mão. Reconheci-o de imediato e perguntei-lhe o que desejava. Sorriu com ar gélido e disse:
- Queria entregar-lhe o Padrão dos Decobrimentos, que mandei fazer em 1960, aquando das celebrações dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique.
Fiquei surpreendido, a olhar incrédulo, mas não o mandei entrar. Há muito tempo que o tinha colocado na galeria das pessoas indesejáveis, ali entre as coisas e os animais.
Ele começou a falar, sem pedir autorização sobre o meu tempo.
Disse-me que pretendia evocar a expansão marítima portuguesa e por isso, tinha a forma de uma caravela, bem alta com 50 metros de altura.
- Mandei colocar bem na frente, a liderar o Infante D. Henrique. Queria que segurasse numa mão uma pequena caravela! Mas claro, ele não é o único herói desta historia. Por isso quis que os outros aparecessem em segundo plano, a Este e a Oeste!
Comecei a sentir um mal estar geral invadir-me. Estaria a sonhar? O que tinha eu a ver com este velho e com o Padrão dos Descobrimentos?
- E porquê neste local?- perguntei eu no intervalo da sua respiração ofehgante
- Bem… eu só vinha entregar esta herança, não vinha dar explicações. Esse parece ser o mal de muita gente. Quer explicações para tudo, sofrem dum mal infantil e ficam toda a vida a perguntar porquê… mas enfim, queria um monumento à minha altura, em Belém, mesmo na margem do rio Tejo, o nosso rio. Queria impressionar os portugueses e todos os que nos visitassem. E já viu como impressiona à luz do pôr-do-sol?
- E a Rosa-dos-Ventos no chão?- perguntei eu, deixando-me entrar neste jogo.
- Isso é outra história, mas fique sabendo que  foi uma oferta da República da África do Sul, toda esculpida em pedra, com um mapa central e figuras de galeões e sereias desenhadas, mostrando as rotas das descobertas concretizadas nos séculos XV e XVI.
- Se aceitar a herança o que tenho de fazer com ela?
- Se aceitar a herança posso partir em paz. Era um grande favor que me fazia. Retirar-me para sempre e encontrar a paz que sempre desejei e nunca encontrei.
- E consegue partir em paz, apenas porque me oferece o monumento? 
Arredondou o chapéu na cabeça, afagou a boca com a mão direita e olhando-me de frente, calou-se.
- Não acha que a herança que deixa é muito maior que o Padrão dos Descobrimentos? Só em sofrimento dava para fazer uma ponte daqui ao Brasil.
Ele continuava calado, sem pressa de partir, mas com vontade de chegar a um acordo. Resolvi ser mais razoável.
- E se trocar o Padrão pela Ponte sobre o Tejo? Quer pensar nisso?
- Não são coisas negociaveis. Venho dar-lhe o Padrão, não a ponte! Essa aliás já nem é minha. É do 25 Abril. Aceita ou não?
- Tenho de decidir já?
- Sim! É do estilo de pegar ou largar...
- E promete que não volta mais?
- Prometo.
- Dê cá o Padrão e passe bem!
Ele deu meia volta, não se despediu, mas enquanto acompanhava os seus passos, com os olhos, ao longo do passeio, podia ver que se tinha empertigado mais um pouco e sem olhar para trás, desapareceu na névoa dos meus sentidos.
Ainda esbocei um gesto, tossiquei, mas ele já não voltou atrás. Ainda tinha uma ultima pergunta, Porque só há uma mulher no Padrão? Era tarde e eu tinha uma explicação - era inglesa!

E foi assim que herdei o padrão dos Descobrimentos!


Manuel Rodas, de Junho 2015

LADO OESTE




LADO ESTE

2 comentários:

  1. O padrão é um belo monumento, pois todas as fases de qualquer País produzem Arte e isso não impede que Salazar fosse um traste.
    Com mais defeitos que qualidades, que também as tinha, ao permitir atrocidades infligidas pela PIDE coloca-o logo a ele e a quem o secundava conscientemente, na galeria dos inimigos do Povo português - uma opinião.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Anónimo7/22/2023

      Verdade. Um grande traste, mas deixou-nos uma herança que não podemos recusar, censura, repressão, mesquinhez, sentimento de inferioridade, atraso cultural e cientifico, guerra, mortos, má memória...

      Eliminar

Seja crítico, mas educado e construtivo nos seus comentários, pois poderão não ser publicados. Obrigado.