Página em branco
Eu sou uma página em branco, filha de muitas ideias, água, história, inovação e muita
liberdade… por estar em branco!
Aceito que me alisem com a mão, façam menção de escrever e a
seguir…
não escrevam.
E se escreverem, não mereça ser lido.
Aceito que depois duns rabiscos,
me amachuquem e atirem ao caixote do lixo,
mesmo que mais tarde, me vão buscar,
desembrulhem toda cheia de rugas e fraturas…
Eu até aceito que me enrolem e façam um cartucho de tremoços,
castanhas ou pipocas…
Que me cuspam, esfreguem na cara, sei lá… Nunca disse que não!
Mas isso não quer dizer que aceite qualquer coisa, não!
Não aceito,
que me venham agora impingir que qualquer coisa me serve!
Eu não aceito cartas de amor fingido, declarações e certidões
falsas,
números manipulados, ou contas erradas!
Não aceito, pronto!
Não é da minha natureza aceitar esses truques e falsidades.
Eu não aceito,
que me escrevam, maledicências, difamações, rabecadas e calúnias.
Eu não aceito
que me manchem com tiranias, despotismo e prepotência, opressão,
nem tão pouco barbaridades.
Eu não aceito
que me prometam mundos e fundos cor-de-rosa e lilás
e a seguir me atirem à cara
com mundos sem fundos e fundos sem mundos!
Despesas passadas para o ano seguinte e receitas antecipadas, nacionalização
de fundos de pensões particulares,
planos de desenvolvimento com aeroportos de norte a sul
planos de construção de
3 TGV e terminais de contentores!
Eu a bater palmas com outras páginas em branco! Bater palmas… em
branco!
Por fim,
escrevem gastar no presente
do indicativo em dinheiro a rodos,
carros, prédios, créditos, flores e champanhe e muita
música,
a felicidade do consumo e a usurpação numa longa lista de
sinónimos!
E o que se lê?
O verbo roubar,
conjugado em todos os tempos e modos, nas auto- estradas,
portagens, concessões, parcerias e desfalques de bancos para os amigos.
O verbo despojar
batido na bisca da dívida
de 160.000 milhões de euros, que só os usurpadores sabem para onde foi.
O verbo larapiar
conjugado no presente da educação, da saúde, do desemprego e das
reformas.
Cortar, gatunar, gualdripar, unhar, tudo o que mexe, acena ou
promete esperança!
O substantivo aumento nas taxas e impostos, o artigo indefinido da
sustentabilidade, o superlativo absoluto analítico e sintético do custo de
vida!
O que eu leio é o verbo sofrer na voz ativa,
lágrimas, preocupações, ansiedades, susto, tremor, sobressaltos, cagaço,
pavor, …
O que eu não posso aceitar,
e por isso grito, barafusto e dou murros no ventre do destino ,
é que me venham escrever nas entrelinhas, tipo nota de rodapé,
com urgência de decreto, que a ESPERANÇA ACABOU!
Isso é que eu não posso aceitar!
Por isso,
convoco todos e todas que mantêm a esperança em branco
para um ultimato desesperado e definitivo:
Ou escrevem ESPERANÇA com todas as letras,
em todos os tempos, modos e géneros,
ou cada vez que nos quiserem escrever, seja o que for, desde
poemas, falsidades ou até
pautas de música,
nós, páginas em branco, apenas
deixaremos legíveis
as letras para escrever liberdade e esperança,
até que desistam, por cansaço, desespero, irritação, impotência…
Em alternativa,
pintamo-nos de preto!
Ponto!
Manuel Rodas
Perante a reclamação do Paulo E. venho ver se funciona a adição do comentário.
ResponderEliminarSubscrevo inteiramente, meu amigo. Que belo texto! Só que, para dizer algo sobre o assunto, teria de macular a página em branco, tal é a raiva que me vai cá dentro e tantas são as asneiras que me apetece dizer!... Assim sendo, direi somente que prezo imensamente a LIBERDADE e que tenho ESPERANÇA de que nunca sejamos privados dela. Parabéns pela beleza da escrita e um grande abraço Alice
ResponderEliminarGostei muito :) Acho que esta até é a minha entrada favorita do teu blog! Bjs Rita
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