quinta-feira, 30 de abril de 2009




A tua SOLEX anda tanto como a minha?

Desde que em Março de 2008, em Paradela, Soajo, o Abílio aceitou a troca da Solex por um computador, nunca mais as surpresas deixaram de surgir… Primeiro pediu-me segredo porque o A.P., um amigo comum de infância, lha tinha oferecido com a condição de não se desfazer dela, porque tinha sido das filhas.
Depois foi descobrir uma imensa comunidade de amantes de Solex. Até há uma concentração em 28 de Setembro em Belém e por coincidência é o dia de anos da minha mulher, pelo que não consigo lá ir…apesar de morar muito perto. Descobrir em Carnaxide o Vila F. e perceber como se aproveita do gosto e necessidade dos outros e da raridade de peças para subir os preços. Ou percorrer na Net os imensos sites com documentação pormenorizada sobre a história, mecânica, recuperação e restauro. A descoberta mais recente foi o Henrique Garcia dizer no Público de 12 de Abril, hoje, que restaurou uma, que vinha da sua adolescência!
Em Queluz o senhor Joaquim tem dois conta-quilómetros mas avisou-me “Vá aparecendo por aí, pode ser que um dia eu lhe arranje um...” Mas não me vendeu nenhum.
Numa curta viagem a Paris, em Abril de 2009 ainda tentei ir à loja do senhor Deschamp, como tínhamos combinado por correio electrónico, mas...não tive tempo e lá vim de mãos a abanar.
Vim passar a Páscoa a Valongo e resolvi procurar. Andava desconfiado e parecia-me impossível não existir nesta terra uma oficina de bicicletas…antigas. Tomei café e perguntei, mas ninguém sabia. Resolvi parar no centro da cidade a ver o que acontecia… É uma coisa que gosto de fazer. Parar a ver o que acontece. Lembram-se da nêspera? Também estava a ver o que acontecia e passou uma velha e comeu-a. Dito pelo Mário Viegas tem outro encanto, com aquela dicção milimetricamente silábica: é o que acontece a quem fica a ver o que acontece. Bom, mas eu não tenho medo das velhas e gosto de ficar a ver o que acontece e engraçado, acontece sempre qualquer coisa.
Empurrando uma bicicleta já velha, mas bem conservada, passava a pé um senhor baixo, entroncado, calvo, mas com um ar simpático e de quem está bem consigo e com os outros. Perguntei-lhe. Que sim senhor. Ele tinha montado a sua bicicleta com peças de outras. Por exemplo as mudanças eram de cubo, a campainha muito antiga, o assento ainda era de couro e os aros tinham um feitio próprio. Para me certificar obrigou-me a passar a mão pelas rodas, para verificar a saliência. “Hoje já não há!” Mostrei a minha admiração e respeito pelo resultado final. “ Quantos anos me dá? “ Uns 60, pensei. Nunca fui bom a saber a idade dos outros e agora é muito frequente ficar surpreendido com a minha. 76! Parabéns, bem conservado, sim senhor…Boa Páscoa! Assim nos despedimos. Ele com um sorriso de satisfação e eu com a informação: no primeiro sinal depois da bomba de gasolina, na Rua Fonseca Dias, ou, no terceiro semáforo havia duas oficinas, uma à direita outra à esquerda.
Na primeira que entrei os meus olhos logo brilharam! Aquilo era mesmo um alfarrabista bibliotecário das bicicletas e motos! Havia de tudo, mas muito desarrumado. Pneus, cabos, malas, piscas, motores, bielas, escapes, parafusos, velas, chaves, assentos, depósitos, guarda-lamas, farolins, raios, bicicletas inteiras e aos bocados, motos velhas, tudo à mistura com um cheiro a pneu e gasolina queimada, tipo caverna de Ali Bábá. E o dono, um velhote dos 80 e tal, revelou-se uma verdadeira enciclopédia ambulante. O homem sabia tudo e confessou-me: “Tenho mais de mil (motos e bicicletas) e se quiser, os holandeses compram-me tudo! Ainda agora levei 50 à inspecção e tenho de levar mais que nem sei onde estão… por aí…A Câmara ficou de arranjar um terreno para fazer um museu…
Finalmente, tinha encontrado um verdadeiro mestre: Carlos Rocha de Valongo!
Voltando às coisas mais práticas, eu tinha de fazer a encomenda e depois passado tempo, talvez um mês, passar por lá. Expliquei a situação. Era de Soajo, vivia em Oeiras e estava de passagem e não sabia muito bem quando voltaria a Valongo. Enfim, convencido, lá se arrastou e foi procurar. Enquanto aguardava, logo um sujeito com chapéu de fazenda aos quadradinhos, à inglesa me disse que também se dedicava ao restauro de motos pessoais e deu-me um telefone de alguém que em Felgueiras poderia ter o que procurava. “Na feira em Aveiro também encontra tudo o que precisa.” Estendeu-me a mão, Armando Vilhena, Penafiel! Agradeci com muito gosto!
Entretanto o senhor Carlos Rocha lá vinha com os pneus 1 ¾ 19 marca Hutchinson, 70 euros. “As câmaras-de-ar, vou procurá-las e amanhã já lhe digo!”. Quando ia a pagar aproximou-se um jovem dos vinte anos, que tinha ouvido a conversa toda e diz-me: “Eu ofereço-te a mala da ferramenta”. Surpreendido pelo tratamento por tu e pela oferta agradeci e combinei para o dia seguinte. Fui lá, o velhote prometeu-me levar as câmaras-de-ar para a feira de Aveiro e foi dizendo que o rapaz com percings nas sobrancelhas não era de confiança. Não esperei por ele, por falta de tempo! Despedi-me e vim embora. Até à Feira de Maio em Aveiro!
Resolvi seguir a indicação do Armando Vilhena e fui a Felgueiras a uma freguesia chamada Unhão. Encontrei o homem, que me olhou sempre um pouco desconfiado. Tinha lá umas Solex’s muito velhas e sem interesse. Compra-as em França e depois vende-as cá. Comprei-lhe uma protecção do motor e uma junta da colaça.
Agora em Oeiras vou ter de substituir os pneus, limpar a protecção do motor e … em Maio a aventura continua…em Aveiro!
Manuel Rodas Valongo, 12 de Abril de 2009

II Parte

Um dia destes, depois de substituir o pneu da frente e mais algumas limpezas gerais e em particular ao depósito de gasolina e outras lubrificações, saí de casa, com capacete e mochila e lá fui eu ver se a máquina funcionava. Saio de casa, passo no jardim municipal, sigo pela estrada do Alto da Barra e lá vou ter à Praia de Carcavelos. Quando chego à zona dos cafés e restaurantes, desligo o motor e pedalo, pedalo ao ritmo das ondas, com o sabor da maresia a envolver-me num halo … falta-me o adjectivo!
Quando cheguei ao fim do paredão de Carcavelos volto para trás e um senhor alto e elegante, dos seus 6o e tal anos, com barba de um mês, vestido de fato de treino e sapatilhas brancas, chapéu de sol com pala, faz-me sinal para parar. Qual era a marca? E com o dedo indicador aponta para a bicicleta. Solex! Virando-se para a mesa onde estava outro homem sentado disse-lhe: É Solex, e´! E quando dei por ela estava a conversar sentado na mesa deles a tomar um café, a falar da Solex e ouvir as aventuras do amigo Pedro. Enfermeiro no Centro de Recuperação do Alcoitão, já tinha feito o Caminho de Santiago de bicicleta, bem como o Sul de Espanha, Os Pirenéus, a Itália… mas o sonho dele era descer toda a América do Sul de bicicleta. Fazia ainda regularmente a maratona, embora nos últimos anos só a meia maratona. O outro amigo tinha sofrido um acidente vascular cerebral pelo que estava afectado do lado esquerdo e não se percebia muito bem, ou quase nada o que dizia embora percebesse que se chamava Zé. Mas, imaginem, o homem tinha uma Solex e conversa mais solilóquio, com tradução do Pedro lá percebi que a vendia. Combinamos ir vê-la, na estrada que vai de Carcavelos para a parede, na rotunda da Robialac e numa cave sem luz cheia de pó do tempo com pneus em baixo, motor bloqueado, lá estava um exemplar mais antigo que a minha- uma 2200! Azul e branca. Era preciso resgatá-la daquela cave onde apodrecia. E o preço? Passado um bom bocado ainda não tinha percebido o preço. O homem esforçava-se num esgar, com uma vontade enorme em comunicar, nós com um esforço de entender, mas nada… Por fim o Pedro escreveu num papel os nºs de 1 a 9 e disse para apontar. Assim surgiu primeiro o 1, depois 2 e por fim 0. Mas … euros ou escudos? A diferença era substancial. Euros! Ah! É pouco, dissemos nós. Apesar de ser um risco, (e se o motor estivesse bloqueado com a ferrugem?) não parecia justo. Enfim 200 euros? Assim ficou combinado.
Entretanto recebo um telefonema da Estela a dizer que o P. tinha sofrido um AVC. Nem quis acreditar. O P.? Com quarenta e poucos anos? Mas ele até ia de bicicleta da Reboleira para a Escola na Damaia! Andava sempre num rodopio dum lado para o outro! Leva as filhas à escola, ao basquetebol, à catequese, vai às compras, dá aulas, repara o Fiat 127, o Fiat 500, o Datsun 1200, faz a manutenção da Kavasaqui, organiza a casa e a garagem, está a fazer o mestrado em Ed. Especial ainda muda o óleo ao meu Toyota, como era possível?
No dia seguinte fui visitá-lo e para o reconfortar disse-lhe: “Tenho uma Solex Azul para ti”. Os olhos riram-se-lhe. O P. merecia-a! Ficam ambos bem entregues!
26-4-09

1 comentário:

  1. Amigo tem um coração de ouro.
    E estas como o vinho do Porto.
    Tenho saudades
    Bj
    Mimi

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