Os conflitos
fronteiriços
no Lindoso e o
realinhamento
da fronteira
“O Juiz e mais Oficiais da Câmara do concelho de Lindoso, em seu nome e de todo o Povo, representam a Vossa Alteza Real que no ano de 1773 os moradores dos lugares de Bao, de Compostela e Ludeiros, vizinhos à raia do Reino da Galiza, cortaram a maior parte das vinhas que os mo radores deste concelho possuem no sítio de S. Maria Madalena e leva ram as cepas em carros para o dito Reino (...). Desde aquele tempo até o ano de 1800, têm estes pobres moradores experimentado mil ruínas, como foi queimaremlhe as casas que de tempo imemorial possuíam na queles montes, ou arruinaremlhas fundamentalmente da mesma sorte, queimaremlhe os colmeais, arrasaremlhe as paredes e curros em que recolhiam os seus gados, etc., de que tudo, e da falta da pro dução das mencionadas vinhas, tem resultado aos moradores deste con celho um considerável dano que monta uns poucos de contos de reis, além dos insultos graves perpetrados em suas próprias pessoas. De tudo isto se tem dado a Vossa Alteza Real repetidas contas, por cuja causa têm vindo aqui vários Ministros, mas inutilmente (...)” (trecho de um requerimento provavelmente de 1800).
Inúmeras são as exposições, requerimentos e ofícios mostrando os antigos e contínuos desacertos entre os moradores do Lindoso e os da
Galiza próxima, tanto ocorridos no monte da Madalena como na serra do
Quinjo (actualmente Quinxo, em Espanha). A contenda terseia iniciado
por volta do começo do segundo quartel do século XV, quando o alcaide
mor do castelo do Lindoso vendeu a vacaria que tinha e os gados deixa
ram de pastar, como sempre fizeram os dos seus antecessores, naquela
parte portuguesa da serra. A desocupação desses terrenos, e a abundân
cia de pastagens nas vizinhanças do Lindoso, deu lugar a que os galegos
das aldeias próximas os ocupassem, sem oposição portuguesa. Porém, em
1538 procedeuse ao tombo do termo de Lindoso, cujos resultados se re
presentaram cartograficamente nos começos de Oitocentos, quando a ques
tão se voltava a reacender, quer por Custódio José Gomes de Vilas Boas
(1803), quer por Raimundo Valeriano da Costa Correia (1807). No entan
to, não se conseguiu proceder então à demarcação, ora por falta de com
parência dos comissários espanhóis, ora pela sua dilação. Não era só a serra
do Quinjo que era motivo de discórdia, por pretenderem os galegos que
o limite dos dois países passasse pelo rio Tibo ou Várzea (hoje, rio Castro
Laboreiro); a questão era sobretudo nesta altura com o monte da Madalena,
onde os moradores do Lindoso iam regularmente em romaria à capela aí
existente e onde tinham vinhas, colmeias e campos agrícolas, mas que os
vizinhos do outro lado pretendiam desalojar, estendendo o limite da fron
teira para o rio Cabril.
Quando, em meados do século XIX, a comissão preparou a pro
posta de demarcação, confrontavase com a existência de vários limi
tes: aquele que os espanhóis pretendiam (pelos rios Cabril, Lima e Castro
Laboreiro); o marcado no tombo de 1538, que os portugueses reconhe
ciam (que partia da Cruz do Touro, na serra do Gerês, descendo até à
Pedra do Bozelo, ou Bozelho, e atravessando o Lima, subia ao Quinjo
e ia paralelamente a este rio até à confluência com o de Castro Laboreiro;
e, ainda, o anterior a este, abrangendo os terrenos outrora ocupados
pelos alcaides do Lindoso e que os espanhóis haviam usurpado.
Apesar das memórias então apresentadas e das provas irrefutá
veis, o comissário português aceitou a proposta espanhola a troco de
compensações, com muitos agradecimentos de Bourman: este “era o
terceiro presente” que Cabreira lhe oferecia (Vasconcelos e Sá, 1861,
transcrito por José Baptista Barreiros, 19611965)!
A solução final para
o litigioso monte da Madalena, dirimido por via diplomática, viria a dividir o terreno questionado em duas partes iguais (veja-se o artigo 4.o
do Tratado de 1864), acabando a linha de fronteira por ficar posicionada a Este da capela, e não no rio Cabril, e seguir por onde pretendiam
os espanhóis, na restante parte.