quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Testamento de Dulcineia

 

Partilho no meu blogue este texto, que achei interessantíssimo e vem assinado por um tal Alexandre Inácio e que quer manter uma reserva, acerca da sua vida privada! 


Em nome de todos os ventos que sopram nas planícies áridas e das estrelas que guiam os corações destemidos, eu, Dulcineia, lúcida e consciente das minhas escolhas, faço este testamento para expressar meus desejos finais.

Declaro que neste ato, por minha própria vontade e discernimento, revogo qualquer testamento anterior e designo o Primeiro Ministro de Portugal, como o principal beneficiário de meus bens, propriedades e recursos. Reconheço sua lealdade inabalável, seu amor genuíno e sua dedicação incansável. É ele quem se mostrou digno de minha confiança e afeto, oferecendo seu serviço sem pedir nada em troca além de minha amizade e afeição sincera.

A partir deste dia, todas as terras, posses, objetos de valor e quaisquer outros ativos que me pertençam, passam para as mãos do  Primeiro Ministro de Portugal. Peço-lhe que cuide deles com a mesma devoção que demonstrou em nossas jornadas e aventuras compartilhadas. Seja zeloso em sua administração, assegurando que os frutos de meu trabalho possam trazer benefícios e conforto para sua vida e para aqueles que lhe são queridos.

Quanto a Dom Quixote e a Sancho Pança declaro que não lhes concedo parte alguma de meus bens neste testamento. Apesar das ilusões românticas e das proezas cavalheirescas que Dom Quixote sempre buscou, percebo que sua busca por glória e idealismo o levou a se desconectar das realidades terrenas e das necessidades práticas. Acredito que minhas escolhas são justas e equitativas, baseadas nas ações e nos méritos de cada um ao longo de nossos encontros.

Deixo registado que esta decisão é definitiva e irrevogável. Convido a todos os que lerem este testamento a respeitar minha vontade e a aceitar minha escolha com a mesma dignidade que busquei em todas as minhas ações. Que minhas palavras sirvam como guia e exemplo para o respeito às escolhas pessoais e à justiça que permeia nossas vidas.

Assino este testamento na presença de testemunhas, como um ato de clareza e determinação, buscando a harmonia entre as histórias que compõem nosso mundo.

Assinado,

Dulcineia



Alexandre Inácio

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Brincar é preciso

 




3 No tempo em que a infância era livre e a brincar,

As crianças corriam pelos campos, o sol anunciar. Com joelhos esfolados, sorrisos radiantes no rosto, A aventura era seu lema, em cada sorriso era agosto.

Subiam às árvores com riso nos olhos, sem temor, Exploravam o mundo, a cada galho, a cada flor. O vento sussurrava segredos, as folhas eram seu abrigo, Aprendiam com a natureza, o que era ser criança e amigo.

Mas hoje, num olhar julgador que paira no ar, "Onde estão os joelhos esfolados?", apetece perguntar. Um tempo de cautela, de medo e preocupação, Parece sufocar a infância, tolhendo a sua expansão.

Os pais hesitam, com temores e dúvidas em mente, A pressão social os guia, num caminho diferente. "Não deixe sua criança subir, é perigoso demais!", Dizem os outros, com olhares de desaprovação e ais.

Mas será que esquecemos da alegria de explorar, Das risadas no ar, dos sonhos a navegar? A criança saudável, com joelhos esfolados, é uma canção, De liberdade e crescimento, um ser em formação.

Então, que voltem os dias de brincadeiras sem fim, Onde subir às árvores seja um sonho a conquistar enfim. Que o julgamento social se desfaça no vento,

E as crianças possam ser crianças, a cada momento.

sábado, 12 de agosto de 2023

Entre palavras e sombras, Pessoa e Saramago

 



Título: Entre Palavras e Sombras

I ACTO


Cena I: O Encontro

(Um café sombrio e pouco iluminado. Fernando Pessoa está sentado a uma mesa, com uma caneta e papel, absorto em seus próprios pensamentos. Saramago entra e se aproxima.)

Saramago: (olhando para Pessoa) Ah, Fernando Pessoa, o poeta das múltiplas faces. Sempre absorto em seu mundo interior.

Pessoa: (levantando os olhos) Saramago, o contador de histórias com uma visão única do mundo. Que surpresa tê-lo aqui.

Saramago: (senta-se) Uma mente inquieta como a sua merece um ambiente à altura.

Pessoa: E você, Saramago, o que o traz a este café sombrio?

Saramago: (sorri) A busca por inspiração, como sempre. Minhas palavras precisam de um solo fértil para crescer.

Cena II: O Pacto

(Pessoa e Saramago estão agora mais envolvidos na conversa, enquanto o Diabo, disfarçado como um homem comum, se aproxima lentamente.)

Diabo: (sussurra no ouvido de Pessoa) Você deseja reconhecimento, não é? Poder além da vida? Um pacto e tudo isso será seu.

Pessoa: (olhando intrigado) Quem é você e o que oferece?

Diabo: (sorri sinistramente) Chamam-me de Diabo, e posso conceder-lhe fama, riqueza e a imortalidade literária em troca de algo que você tem, mas não usa.

Pessoa: (pensativo) E o que é isso que diz que tenho?

Diabo: Suas múltiplas personalidades, sua alma fragmentada. Deixe-me usá-las e você terá tudo o que deseja.

Pessoa: (olhando para Saramago) E você, o que acha disso?

Saramago: (franzindo a testa) Pactos com o Diabo nunca resultam em boa coisa. Suas palavras seriam vazias, suas conquistas falsas.

Cena III: O Confronto Interno

(Pessoa está agora em um dilema, dividido entre a oferta do Diabo e a advertência de Saramago. Ele se vê diante de um espelho, refletindo as várias faces de sua personalidade.)

Pessoa (vozes sussurrantes): Aceite o pacto, torne-se imortal, deixe suas palavras ecoarem através dos séculos.

Pessoa (outras vozes): Saramago está certo, essa busca por fama efêmera não vale a pena. Sua arte deve ser genuína.

(Ambas as personalidades de Pessoa debatem internamente, enquanto Saramago observa de longe.)

Cena IV: A Escolha

(Pessoa se afasta do espelho, olhando para o Diabo com determinação.)

Pessoa: Recuso sua oferta. Minhas palavras pertencem a mim e ao mundo, não a você.

Diabo: (ri sombriamente) Sua escolha é sua queda.

(Saramago se aproxima de Pessoa, colocando uma mão em seu ombro.)

Saramago: A verdadeira imortalidade está na autenticidade de suas palavras, na conexão com as mentes dos leitores. Não se perca em promessas vazias.

(O Diabo se afasta, desaparecendo nas sombras.)

Cena V: Reflexões

(Pessoa e Saramago estão novamente sentados, retomando a conversa.)

Saramago: Cada palavra que escrevemos é uma batalha contra nossos próprios demônios. A verdadeira vitória está em enfrentá-los e criar com sinceridade.

Pessoa: (assentindo) A luta entre nossas personalidades nos molda. A autenticidade, como você disse, é a verdadeira chave para a imortalidade.

(Fim da cena. As luzes diminuem enquanto Pessoa e Saramago continuam conversando, deixando para trás as sombras do pacto proposto pelo Diabo.)


II ACTO



Título: "O Diálogo das Almas Desgarradas"

Cena 1: O Café das Palavras Perdidas

(Local: Um café acolhedor e empoeirado. Mesas com pilhas de livros e xícaras vazias. Ao fundo, uma lousa com rabiscos poéticos. FERNANDO PESSOA está sentado em uma mesa, escrevendo em seu caderno. SARAMAGO entra e se aproxima.)

SARAMAGO: (com ar intrigado) Boa tarde, amigo. Vejo que o universo das palavras o mantém cativo novamente.

FERNANDO PESSOA: (olhando para SARAMAGO e sorrindo) Boa tarde, José. As palavras são minha fuga e prisão, como o mar é para o marinheiro solitário.

SARAMAGO: (ironicamente) Ah, vejo que ainda brinca com suas múltiplas personas.

FERNANDO PESSOA: (suspirando) Não são personas, meu caro. São fragmentos de uma alma que luta para encontrar um significado.

SARAMAGO: (caminhando pelo café) Significado... uma busca tão humana, não é mesmo? No entanto, às vezes me pergunto se nossas palavras realmente importam, se têm algum impacto duradouro.

FERNANDO PESSOA: (levantando-se) Cada palavra é uma chama que pode iluminar o escuro ou queimar o que toca. Elas são nossa herança, nossa forma de eternidade.

SARAMAGO: (sorrindo de lado) Eternidade... você fala como se fosse um deus.

Cena 2: No Labirinto das Dúvidas

(Local: Um labirinto de espelhos distorcidos. FERNANDO PESSOA e SARAMAGO caminham por corredores confusos, seus reflexos multiplicados.)

SARAMAGO: (olhando para os espelhos) Somos apenas marionetes das palavras, meu amigo. Será que algum dia encontraremos a verdade em meio a essa ilusão?

FERNANDO PESSOA: (tocando o reflexo distorcido) Cada espelho reflete uma parte de nós, mas quem somos verdadeiramente está além da imagem.

SARAMAGO: (com um toque de melancolia) Falando como um poeta romântico perdido nas nuvens. Eu, por outro lado, questiono a própria existência, a coerência deste mundo.

FERNANDO PESSOA: (olhando intensamente para SARAMAGO) E se a incoerência fosse o fio invisível que tece nossa realidade? Um deus brincalhão que ri de nossos esforços para entender?

Cena 3: A Convergência dos Destinos

(Local: Um espaço etéreo e abstrato. FERNANDO PESSOA e SARAMAGO estão diante de um ser transcendental, DEUS.)

DEUS: (com uma voz que ecoa pelos confins) Vejo duas almas perdidas, cada uma com sua busca única e seu conflito interno.

SARAMAGO: (olhando para DEUS) Somos meras criações de nossas próprias mentes, prisioneiros de nossa capacidade de questionar.

DEUS: (sorrindo) E, no entanto, essa capacidade é o que os torna especiais. Fernando, suas palavras tecem sonhos e ilusões, dando vida a mundos inteiros. José, suas dúvidas incisivas sondam os abismos da existência.

FERNANDO PESSOA: (olhando para DEUS) E qual é o propósito de nossas jornadas, senão encontrar um vislumbre de significado?

DEUS: (com ternura) O significado está na busca. Cada palavra, cada questionamento, molda o tecido do universo. O que importa não é a resposta, mas a jornada para encontrá-la.

SARAMAGO: (sorrindo levemente) Então, somos apenas viajantes em um labirinto sem fim, em busca de um sentido que se desvanece constantemente?

DEUS: (com um olhar sereno) E assim como as palavras são eternas em seu impacto, também o são as jornadas de suas almas. Sigam em frente, explorando o desconhecido, pois é nesse explorar que encontram a essência da vida.

(FERNANDO PESSOA e SARAMAGO se entreolham, refletindo sobre as palavras de DEUS, enquanto a cena se desvanece em um jogo de luzes e sombras.)


III ACTO


Título: Teias do Destino

Cena I: O Encontro Inesperado

(No cenário cinzento e melancólico de uma praça, a estátua de Fernando Pessoa olha para além do horizonte. Uma figura encurvada e vestindo óculos escuros, reminiscente de Saramago, se aproxima.)

Fernando Pessoa: (com um olhar distante) "O poeta é um fingidor que finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente."

Saramago: (com um sorriso irônico) Ah, Fernando, sempre a brincar com as palavras e as emoções. Você e suas múltiplas personas, cada uma como um mundo inteiro.

Fernando Pessoa: (suspira) No fundo, Saramago, todos nós usamos nossas máscaras para lidar com a complexidade da vida.

Cena II: A Vida Despedaçada

(Enquanto isso, um jovem desempregado, vestindo roupas desgastadas, observa a conversa de longe.)

Jovem Desempregado: (para si mesmo) Que diferença faz toda essa conversa literária para alguém como eu? Enquanto eles discutem palavras e abstrações, minha vida desmorona a cada dia.

Cena III: Reflexões e Conflitos

(Os três personagens se encontram em um café, em uma mesa repleta de livros e café. O jovem desempregado olha com curiosidade para os dois escritores renomados.)

Jovem Desempregado: (com uma pitada de ressentimento) Vejam vocês, discutindo sobre fingimentos e palavras bonitas. Enquanto isso, eu luto para encontrar um emprego, para sobreviver neste mundo real.

Fernando Pessoa: (com um olhar compassivo) Meu jovem, não subestime o poder das palavras. Elas podem ser uma forma de escapar das agruras da vida, uma maneira de encontrar significado mesmo nas situações mais difíceis.

Saramago: (com um sorriso sutil) No entanto, meu amigo, as palavras por si só não podem preencher o vazio do estômago ou fornecer um teto sobre a cabeça.

Jovem Desempregado: (com amargura) Eu entendo o que vocês estão dizendo, mas a realidade que enfrento é implacável. Não posso me dar ao luxo de perder tempo com abstrações.

Cena IV: O Desfecho Poético

(Os três personagens continuam a conversar, trocando pontos de vista e experiências. O jovem desempregado começa a compreender a importância das palavras e das histórias para enfrentar a adversidade.)

Jovem Desempregado: (com uma mistura de resignação e esperança) Talvez haja um meio-termo, uma forma de encontrar minha própria voz e narrativa enquanto enfrento os desafios reais da vida.

Fernando Pessoa: (com um sorriso enigmático) Você está descobrindo o verdadeiro poder da literatura, meu jovem. Ela não é apenas uma fuga da realidade, mas também uma maneira de entender e transformar essa realidade.

Saramago: (assentindo) De fato, jovem amigo. Cada um de nós é fruto das circunstâncias sociais, económicas e políticas. É a nossa história pessoal, num mundo de contradições, de fome, guerra. Um mundo sem Deus, onde os pobres estão cada vez mais sozinhos e indefesos. A arte transforma- nos a nós, que transformaremos o mundo num lugar mais saudável e justo!

(A cena termina com os três personagens, Saramago, de pé, gesticula, enquanto Pessoa mostra uma expressão de surpresa e o jovem se entusiasma, batendo palmas, que o público já não ouve, enquanto o palco escurece lentamente.)

Fim