Título: Entre Palavras e Sombras
I ACTO
Cena I: O Encontro
(Um café sombrio e pouco iluminado. Fernando Pessoa está sentado a uma mesa, com uma caneta e papel, absorto em seus próprios pensamentos. Saramago entra e se aproxima.)
Saramago: (olhando para Pessoa) Ah, Fernando Pessoa, o poeta das múltiplas faces. Sempre absorto em seu mundo interior.
Pessoa: (levantando os olhos) Saramago, o contador de histórias com uma visão única do mundo. Que surpresa tê-lo aqui.
Saramago: (senta-se) Uma mente inquieta como a sua merece um ambiente à altura.
Pessoa: E você, Saramago, o que o traz a este café sombrio?
Saramago: (sorri) A busca por inspiração, como sempre. Minhas palavras precisam de um solo fértil para crescer.
Cena II: O Pacto
(Pessoa e Saramago estão agora mais envolvidos na conversa, enquanto o Diabo, disfarçado como um homem comum, se aproxima lentamente.)
Diabo: (sussurra no ouvido de Pessoa) Você deseja reconhecimento, não é? Poder além da vida? Um pacto e tudo isso será seu.
Pessoa: (olhando intrigado) Quem é você e o que oferece?
Diabo: (sorri sinistramente) Chamam-me de Diabo, e posso conceder-lhe fama, riqueza e a imortalidade literária em troca de algo que você tem, mas não usa.
Pessoa: (pensativo) E o que é isso que diz que tenho?
Diabo: Suas múltiplas personalidades, sua alma fragmentada. Deixe-me usá-las e você terá tudo o que deseja.
Pessoa: (olhando para Saramago) E você, o que acha disso?
Saramago: (franzindo a testa) Pactos com o Diabo nunca resultam em boa coisa. Suas palavras seriam vazias, suas conquistas falsas.
Cena III: O Confronto Interno
(Pessoa está agora em um dilema, dividido entre a oferta do Diabo e a advertência de Saramago. Ele se vê diante de um espelho, refletindo as várias faces de sua personalidade.)
Pessoa (vozes sussurrantes): Aceite o pacto, torne-se imortal, deixe suas palavras ecoarem através dos séculos.
Pessoa (outras vozes): Saramago está certo, essa busca por fama efêmera não vale a pena. Sua arte deve ser genuína.
(Ambas as personalidades de Pessoa debatem internamente, enquanto Saramago observa de longe.)
Cena IV: A Escolha
(Pessoa se afasta do espelho, olhando para o Diabo com determinação.)
Pessoa: Recuso sua oferta. Minhas palavras pertencem a mim e ao mundo, não a você.
Diabo: (ri sombriamente) Sua escolha é sua queda.
(Saramago se aproxima de Pessoa, colocando uma mão em seu ombro.)
Saramago: A verdadeira imortalidade está na autenticidade de suas palavras, na conexão com as mentes dos leitores. Não se perca em promessas vazias.
(O Diabo se afasta, desaparecendo nas sombras.)
Cena V: Reflexões
(Pessoa e Saramago estão novamente sentados, retomando a conversa.)
Saramago: Cada palavra que escrevemos é uma batalha contra nossos próprios demônios. A verdadeira vitória está em enfrentá-los e criar com sinceridade.
Pessoa: (assentindo) A luta entre nossas personalidades nos molda. A autenticidade, como você disse, é a verdadeira chave para a imortalidade.
(Fim da cena. As luzes diminuem enquanto Pessoa e Saramago continuam conversando, deixando para trás as sombras do pacto proposto pelo Diabo.)
II ACTO
Título: "O Diálogo das Almas Desgarradas"
Cena 1: O Café das Palavras Perdidas
(Local: Um café acolhedor e empoeirado. Mesas com pilhas de livros e xícaras vazias. Ao fundo, uma lousa com rabiscos poéticos. FERNANDO PESSOA está sentado em uma mesa, escrevendo em seu caderno. SARAMAGO entra e se aproxima.)
SARAMAGO: (com ar intrigado) Boa tarde, amigo. Vejo que o universo das palavras o mantém cativo novamente.
FERNANDO PESSOA: (olhando para SARAMAGO e sorrindo) Boa tarde, José. As palavras são minha fuga e prisão, como o mar é para o marinheiro solitário.
SARAMAGO: (ironicamente) Ah, vejo que ainda brinca com suas múltiplas personas.
FERNANDO PESSOA: (suspirando) Não são personas, meu caro. São fragmentos de uma alma que luta para encontrar um significado.
SARAMAGO: (caminhando pelo café) Significado... uma busca tão humana, não é mesmo? No entanto, às vezes me pergunto se nossas palavras realmente importam, se têm algum impacto duradouro.
FERNANDO PESSOA: (levantando-se) Cada palavra é uma chama que pode iluminar o escuro ou queimar o que toca. Elas são nossa herança, nossa forma de eternidade.
SARAMAGO: (sorrindo de lado) Eternidade... você fala como se fosse um deus.
Cena 2: No Labirinto das Dúvidas
(Local: Um labirinto de espelhos distorcidos. FERNANDO PESSOA e SARAMAGO caminham por corredores confusos, seus reflexos multiplicados.)
SARAMAGO: (olhando para os espelhos) Somos apenas marionetes das palavras, meu amigo. Será que algum dia encontraremos a verdade em meio a essa ilusão?
FERNANDO PESSOA: (tocando o reflexo distorcido) Cada espelho reflete uma parte de nós, mas quem somos verdadeiramente está além da imagem.
SARAMAGO: (com um toque de melancolia) Falando como um poeta romântico perdido nas nuvens. Eu, por outro lado, questiono a própria existência, a coerência deste mundo.
FERNANDO PESSOA: (olhando intensamente para SARAMAGO) E se a incoerência fosse o fio invisível que tece nossa realidade? Um deus brincalhão que ri de nossos esforços para entender?
Cena 3: A Convergência dos Destinos
(Local: Um espaço etéreo e abstrato. FERNANDO PESSOA e SARAMAGO estão diante de um ser transcendental, DEUS.)
DEUS: (com uma voz que ecoa pelos confins) Vejo duas almas perdidas, cada uma com sua busca única e seu conflito interno.
SARAMAGO: (olhando para DEUS) Somos meras criações de nossas próprias mentes, prisioneiros de nossa capacidade de questionar.
DEUS: (sorrindo) E, no entanto, essa capacidade é o que os torna especiais. Fernando, suas palavras tecem sonhos e ilusões, dando vida a mundos inteiros. José, suas dúvidas incisivas sondam os abismos da existência.
FERNANDO PESSOA: (olhando para DEUS) E qual é o propósito de nossas jornadas, senão encontrar um vislumbre de significado?
DEUS: (com ternura) O significado está na busca. Cada palavra, cada questionamento, molda o tecido do universo. O que importa não é a resposta, mas a jornada para encontrá-la.
SARAMAGO: (sorrindo levemente) Então, somos apenas viajantes em um labirinto sem fim, em busca de um sentido que se desvanece constantemente?
DEUS: (com um olhar sereno) E assim como as palavras são eternas em seu impacto, também o são as jornadas de suas almas. Sigam em frente, explorando o desconhecido, pois é nesse explorar que encontram a essência da vida.
(FERNANDO PESSOA e SARAMAGO se entreolham, refletindo sobre as palavras de DEUS, enquanto a cena se desvanece em um jogo de luzes e sombras.)
III ACTO
Título: Teias do Destino
Cena I: O Encontro Inesperado
(No cenário cinzento e melancólico de uma praça, a estátua de Fernando Pessoa olha para além do horizonte. Uma figura encurvada e vestindo óculos escuros, reminiscente de Saramago, se aproxima.)
Fernando Pessoa: (com um olhar distante) "O poeta é um fingidor que finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente."
Saramago: (com um sorriso irônico) Ah, Fernando, sempre a brincar com as palavras e as emoções. Você e suas múltiplas personas, cada uma como um mundo inteiro.
Fernando Pessoa: (suspira) No fundo, Saramago, todos nós usamos nossas máscaras para lidar com a complexidade da vida.
Cena II: A Vida Despedaçada
(Enquanto isso, um jovem desempregado, vestindo roupas desgastadas, observa a conversa de longe.)
Jovem Desempregado: (para si mesmo) Que diferença faz toda essa conversa literária para alguém como eu? Enquanto eles discutem palavras e abstrações, minha vida desmorona a cada dia.
Cena III: Reflexões e Conflitos
(Os três personagens se encontram em um café, em uma mesa repleta de livros e café. O jovem desempregado olha com curiosidade para os dois escritores renomados.)
Jovem Desempregado: (com uma pitada de ressentimento) Vejam vocês, discutindo sobre fingimentos e palavras bonitas. Enquanto isso, eu luto para encontrar um emprego, para sobreviver neste mundo real.
Fernando Pessoa: (com um olhar compassivo) Meu jovem, não subestime o poder das palavras. Elas podem ser uma forma de escapar das agruras da vida, uma maneira de encontrar significado mesmo nas situações mais difíceis.
Saramago: (com um sorriso sutil) No entanto, meu amigo, as palavras por si só não podem preencher o vazio do estômago ou fornecer um teto sobre a cabeça.
Jovem Desempregado: (com amargura) Eu entendo o que vocês estão dizendo, mas a realidade que enfrento é implacável. Não posso me dar ao luxo de perder tempo com abstrações.
Cena IV: O Desfecho Poético
(Os três personagens continuam a conversar, trocando pontos de vista e experiências. O jovem desempregado começa a compreender a importância das palavras e das histórias para enfrentar a adversidade.)
Jovem Desempregado: (com uma mistura de resignação e esperança) Talvez haja um meio-termo, uma forma de encontrar minha própria voz e narrativa enquanto enfrento os desafios reais da vida.
Fernando Pessoa: (com um sorriso enigmático) Você está descobrindo o verdadeiro poder da literatura, meu jovem. Ela não é apenas uma fuga da realidade, mas também uma maneira de entender e transformar essa realidade.
Saramago: (assentindo) De fato, jovem amigo. Cada um de nós é fruto das circunstâncias sociais, económicas e políticas. É a nossa história pessoal, num mundo de contradições, de fome, guerra. Um mundo sem Deus, onde os pobres estão cada vez mais sozinhos e indefesos. A arte transforma- nos a nós, que transformaremos o mundo num lugar mais saudável e justo!
(A cena termina com os três personagens, Saramago, de pé, gesticula, enquanto Pessoa mostra uma expressão de surpresa e o jovem se entusiasma, batendo palmas, que o público já não ouve, enquanto o palco escurece lentamente.)
Fim