quarta-feira, 1 de outubro de 2025

O medo



O Ciclo da Ansiedade: Mídia, Medo e o Crescimento da Extrema-Direita

A paisagem informativa contemporânea, dominada pela televisão e pelas plataformas digitais, opera frequentemente sob a máxima de que "más notícias vendem". No entanto, o custo desta estratégia vai muito além das cifras de audiência. A repetição incessante e amplificada de notícias de crimes, violência e insegurança injeta no tecido social uma dose constante e cumulativa de ansiedade, moldando sutilmente a perceção da realidade e, por fim, o panorama político.

A Instalação do Medo Através da Repetição

O mecanismo é simples, mas poderoso. Um evento isolado—um crime violento numa cidade distante, um incidente de vandalismo—é capturado e transformado num espetáculo contínuo. Os media de massas, num esforço para manter o engagement do público, exploram o drama ao máximo: repetem as imagens, entrevistam os vizinhos chocados, criam gráficos e reportagens especiais que transformam o evento numa tendência alarmante.

O resultado é a erosão da perspetiva. Estatisticamente, as taxas de criminalidade podem estar estáveis ou mesmo em declínio, mas a nossa mente não raciocina com base em dados frios; ela reage à emoção das histórias que consome. O espetador ou leitor, exposto a este bombardeamento de negatividade, começa a interiorizar a ideia de que o mundo exterior é inerentemente perigoso. O "lá fora" torna-se ameaçador. Este sentimento generalizado de vulnerabilidade e a perceção de um "colapso da ordem" criam o terreno fértil ideal para o crescimento da ideologia de estrema direita.

A Convergência entre Media e Agenda Política

É neste ponto que se desenha a confluência entre a lógica comercial dos media e as ambições da extrema-direita. Historicamente, os movimentos populistas de direita baseiam-se na criação de um "nós" contra um "eles"—o cidadão de bem contra o criminoso, o nativo contra o imigrante, a ordem contra o caos. Para que essa dicotomia funcione, o caos deve parecer iminente.

A extrema-direita surge, então, como o paladino autoproclamado da segurança. Aproveitam-se da ansiedade instalada para oferecer soluções simples e radicais: "lei e ordem", "tolerância zero", o reforço de fronteiras, e a promessa de restaurar a "ordem perdida". A sua retórica é direta e visceral: em vez de complexas análises socioeconómicas, propõem punição rápida e visível. Eles não precisam de criar o medo; apenas precisam de canalizá-lo e validá-lo, transformando a preocupação pessoal em um mandato político.

A Instrumentalização da Notícia e a Pós-Verdade

O aspeto mais insidioso deste ciclo é a suspeita de que ele não é totalmente orgânico. Quando grupos económicos com claras afinidades ou laços políticos com a extrema-direita controlam grandes conglomerados mediáticos, a fronteira entre jornalismo e propaganda desvanece-se.

Existe a forte tentação e, frequentemente, a evidência, de que notícias de crimes podem ser inflacionadas, descontextualizadas ou mesmo falsas (as fake news) com um objetivo político claro. O objetivo não é informar, mas sim injetar o pânico e desacreditar o status quo democrático, que é retratado como fraco e ineficaz. Ao repetir e amplificar narrativas que reforçam o medo, os donos dos media não estão apenas a vender jornais ou audiência; estão a preparar a opinião pública para aceitar—e até clamar por—médidas autoritárias e líderes que prometem "mão de ferro".

Este ciclo perverso transforma o medo em capital político. A sociedade torna-se menos tolerante, mais dividida e mais disposta a trocar liberdades por promessas de segurança ilusória, pavimentando o caminho para o crescimento de forças políticas que se alimentam, precisamente, da insegurança que a máquina mediática ajudou a criar. O cidadão, consumido pela ansiedade, torna-se involuntariamente um agente de mudança, votando não pela esperança ou análise racional, mas pelo desejo desesperado de alívio do medo.



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