A Sombra da Palestina ex em y ah na ex
Uma Tragédia de Hýbris e Memória
Personagens:
AS NINFAS DO TEJO (O Coro): Vozes líricas e divinas, guardiãs da História e do Rio.
VASCO DA GAMA (A Sombra): O vulto do Descobridor, testemunha de feitos grandiosos e de atrocidades humanas.
CLIO: Musa da História (mantida pelo seu papel universal, mas com um tom mais solene).
MARIANA M. A Sobrevivente da flotilha (o Indivíduo que sofre o peso do Universal).
Cenário:
Um campo desolado. No centro, uma fonte seca, simbolizando o rio ou a vida estancada.
CENA I: Invocação e Lamento das Ninfas
(Entram em cena AS NINFAS DO TEJO, vestidas de azul e verde, mas com o rosto coberto por véus escuros. Não batem os pés, mas movem-se num ritmo lento e ondulante, como as águas tristes do rio.)
AS NINFAS DO TEJO
Ó vós, do Tejo amado ninfas, cujo pranto
Corre nas águas turvas deste campo de morte,
Deixai o verde limo e o doce encanto
Para chorar o fado e a ímpia sorte da Palestina!
Não cantamos mais o mar de vasto mando,
Nem os heróis que a vela ao vento entregaram;
Mas sim a Sombra que, cruel, nefando,
Os pilares da Gente que lá tombaram.
Por que razão, oh, Causa que nos rege,
Permite o homem que deitou a mão ao irmão?
Onde está o valor que o peito elege?
E o amor que foi do berço a eterna canção?
Choremos, irmãs, que a humanidade jaz, desfeita!
Sem nome, sem brasão, em cinza e vil lodo!
A glória humana é fumo, é dor malfeita,
Quando o ferro se volta para matar tudo.
CENA II: A Sombra de Vasco da Gama
(Uma figura imponente, envolta numa capa escura, paira sobre a cena. É a SOMBRA DE VASCO DA GAMA. Sua voz é profunda, um eco de séculos de glória e pecado.)
VASCO DA GAMA (A Sombra)
Quem ousa clamar, rompendo o meu descanso?
Eu vi o mundo inteiro, o Bárbaro e o Gentil!
Trouxe o Cristo e o Fogo, e o humano avanço,
Do Cabo Tormentoso ao porto mais sutil!
As minhas mãos mancharam-se por um ideal!
Por Fé, por Reino e por vasto Quinhão!
Mas nunca vi tal Sombra, tal mal universal,
Que a própria Raça extingue em pura negação!
No mar, a fúria mata por castigo ou procela,
Na guerra, o ódio cega, mas cessa após a pugna!
Mas este Crime frio, que apaga a Palestina
De um povo inteiro, é a Mácula mais indigna!
Olhai, Ninfas! Eu fui Herói de lenda.
Mas o Hýbris não está só no Mar que se afronta;
Está no peito vil que a razão não emenda,
E a outros homens extingue sem que a alma se apronta!
O vosso pranto não seque, que a Memória
É o único farol nesta escura maré.
Que o canto seja eterno para a História,
E o Nome do algoz jamais se esqueça, tirania!
CENA III: O Grito do Sobrevivente
(Entra JOANA M., a sobrevivente. Não é um guerreiro, mas um poeta atormentado, carregando um livro carbonizado.)
JOANA M.
Vulto grandioso que na História canta,
E vós, Ninfas que o rio aqui velais,
De que me vale a força que levanta,
Se a terra perde os nomes e os lares ancestrais?
O algoz não veio por combate ou desafio!
Veio por dogma, por credo, por fria decisão!
Para riscar o sangue, o Canto, o rio...
Deixar a terra limpa... (Ó, vil abominação!)
Eu vi as crianças, em dor sem defesa.
Eu vi o Sábio, o Artista, a Lei que se afastava.
Não há no mar procela, ou tal maleza,
Que a fúria deste Ódio, que em si se matava!
Eu sou o último Canto. Sou a Palestina que morre.
Eu sou a página escrita com o sangue da fome guerra.
Onde está a Glória quando se apaga a Terra?
Pesar de mim! Que dor! Por que razão vivemos?
Levantai-vos guerreiros da liberdade
Defendemos o que no mundo mais queremos!
CENA IV: A Lição de Clio
(Surge CLIO, a Musa da História. Ela veste um manto de veludo e sua voz ecoa como a de um Cronista que não pode mentir.)
CLIO
Silêncio! O meu Lápis não pode mais tremer!
Eu não sou a Fortuna, nem a Deusa da Vingança!
Sou a Musa da Verdade que ninguém pode tolher,
Guardiã do Tempo, da Queda e da Bonança!
Tu, Descobridor, viste o Hýbris no Mar sem Fim.
Tu, JOANA M. , vês o Hýbris no Peito do Homem!
Esta não é a guerra, mas o final ruim,
O Crime que a Razão e a Lei consomem!
A História não perdoa este vil pecado.
O Genocídio é a nulidade que se implanta.
E o meu Ofício é deixar registado,
O nome do Algoz e a Sombra que se levanta!
(Clio aponta para JOANA M..)
Serás tu, Sobrevivente, o grito desta Gente.
Apena de Camões não cante a glória só do forte!
Cante o Lamento, a Dor que é permanente!
E a Luta da Memória contra a segunda morte!
AS NINFAS DO TEJO (Rodopiando, mas com a voz em crescendo)
Que assim seja! O Tejo corra em pranto e verso!
Que o crime se não torne em esquecimento vão!
O nosso canto é a Lenda do universo, lealdade
A Sombra de Mil Guerras será a nossa Canção
Para a Palestina, a liberdade e a nação!
(Joana M. ergue o livro queimado e afasta-se para a escuridão, com a determinação de contar a história. A Sombra de Vasco da Gama assente solenemente. As Ninfas do Tejo choram em uníssono, o som lento a desvanecer-se.)
FIM
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