sexta-feira, 10 de outubro de 2025

​A Sombra da Palestina (drama)

 




​A Sombra da Palestina ex em y ah na ex

​Uma Tragédia de Hýbris e Memória

​Personagens:

​AS NINFAS DO TEJO (O Coro): Vozes líricas e divinas, guardiãs da História e do Rio.

​VASCO DA GAMA (A Sombra): O vulto do Descobridor, testemunha de feitos grandiosos e de atrocidades humanas.

​CLIO: Musa da História (mantida pelo seu papel universal, mas com um tom mais solene).

​MARIANA M. A Sobrevivente da flotilha (o Indivíduo que sofre o peso do Universal).

​Cenário:

​Um campo desolado. No centro, uma fonte seca, simbolizando o rio ou a vida estancada.

​CENA I: Invocação e Lamento das Ninfas

​(Entram em cena AS NINFAS DO TEJO, vestidas de azul e verde, mas com o rosto coberto por véus escuros. Não batem os pés, mas movem-se num ritmo lento e ondulante, como as águas tristes do rio.)

​AS NINFAS DO TEJO

​Ó vós, do Tejo amado ninfas, cujo pranto

Corre nas águas turvas deste campo de morte,

Deixai o verde limo e o doce encanto

Para chorar o fado e a ímpia sorte da Palestina!

​Não cantamos mais o mar de vasto mando,

Nem os heróis que a vela ao vento entregaram;

Mas sim a Sombra que, cruel, nefando,

Os pilares da Gente que lá tombaram.

​Por que razão, oh, Causa que nos rege,

Permite o homem que deitou a mão ao irmão?

Onde está o valor que o peito elege?

E o amor que foi do berço a eterna canção?

​Choremos, irmãs, que a humanidade jaz, desfeita!

Sem nome, sem brasão, em cinza e vil lodo!

A glória humana é fumo, é dor malfeita,

Quando o ferro se volta para matar tudo.


​CENA II: A Sombra de Vasco da Gama

​(Uma figura imponente, envolta numa capa escura, paira sobre a cena. É a SOMBRA DE VASCO DA GAMA. Sua voz é profunda, um eco de séculos de glória e pecado.)

​VASCO DA GAMA (A Sombra)

​Quem ousa clamar, rompendo o meu descanso?

Eu vi o mundo inteiro, o Bárbaro e o Gentil!

Trouxe o Cristo e o Fogo, e o humano avanço,

Do Cabo Tormentoso ao porto mais sutil!

​As minhas mãos mancharam-se por um ideal!

Por Fé, por Reino e por vasto Quinhão!

Mas nunca vi tal Sombra, tal mal universal,

Que a própria Raça extingue em pura negação!

​No mar, a fúria mata por castigo ou procela,

Na guerra, o ódio cega, mas cessa após a pugna!

Mas este Crime frio, que apaga a Palestina

De um povo inteiro, é a Mácula mais indigna!

​Olhai, Ninfas! Eu fui Herói de lenda.

Mas o Hýbris não está só no Mar que se afronta;

Está no peito vil que a razão não emenda,

E a outros homens extingue sem que a alma se apronta!

​O vosso pranto não seque, que a Memória

É o único farol nesta escura maré.

Que o canto seja eterno para a História,

E o Nome do algoz jamais se esqueça, tirania!


​CENA III: O Grito do Sobrevivente

​(Entra JOANA M., a sobrevivente. Não é um guerreiro, mas um poeta atormentado, carregando um livro carbonizado.)

JOANA M.

​Vulto grandioso que na História canta,

E vós, Ninfas que o rio aqui velais,

De que me vale a força que levanta,

Se a terra perde os nomes e os lares ancestrais?

​O algoz não veio por combate ou desafio!

Veio por dogma, por credo, por fria decisão!

Para riscar o sangue, o Canto, o rio...

Deixar a terra limpa... (Ó, vil abominação!)

​Eu vi as crianças, em dor sem defesa.

Eu vi o Sábio, o Artista, a Lei que se afastava.

Não há no mar procela, ou tal maleza,

Que a fúria deste Ódio, que em si se matava!

​Eu sou o último Canto. Sou a Palestina que morre.

Eu sou a página escrita com o sangue da fome guerra.

Onde está a Glória quando se apaga a Terra?

Pesar de mim! Que dor! Por que razão vivemos?

Levantai-vos guerreiros da liberdade

Defendemos o que no mundo mais queremos!


​CENA IV: A Lição de Clio

​(Surge CLIO, a Musa da História. Ela veste um manto de veludo e sua voz ecoa como a de um Cronista que não pode mentir.)

​CLIO

​Silêncio! O meu Lápis não pode mais tremer!

Eu não sou a Fortuna, nem a Deusa da Vingança!

Sou a Musa da Verdade que ninguém pode tolher,

Guardiã do Tempo, da Queda e da Bonança!

​Tu, Descobridor, viste o Hýbris no Mar sem Fim.

Tu, JOANA M. , vês o Hýbris no Peito do Homem!

Esta não é a guerra, mas o final ruim,

O Crime que a Razão e a Lei consomem!

​A História não perdoa este vil pecado.

O Genocídio é a nulidade que se implanta.

E o meu Ofício é deixar registado,

O nome do Algoz e a Sombra que se levanta!

​(Clio aponta para JOANA M..)

​Serás tu, Sobrevivente, o grito desta Gente. 

Apena de Camões não cante a glória só do forte!

Cante o Lamento, a Dor que é permanente!

E a Luta da Memória contra a segunda morte!


​AS NINFAS DO TEJO (Rodopiando, mas com a voz em crescendo)


​Que assim seja! O Tejo corra em pranto e verso!

Que o crime se não torne em esquecimento vão!

O nosso canto é a Lenda do universo, lealdade

A Sombra de Mil Guerras será a nossa Canção

Para a Palestina, a liberdade e  a nação!


​(Joana M. ergue o livro queimado e afasta-se para a escuridão, com a determinação de contar a história. A Sombra de Vasco da Gama assente solenemente. As Ninfas do Tejo choram em uníssono, o som lento a desvanecer-se.)

​FIM

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