segunda-feira, 10 de junho de 2024

1 Karl M. disse

 



Estou a pensar no comentário da jornalista Carmo Afonso, na tv, durante a campanha eleitoral aoParlamento europeu, 2024, citando o jornal espanhol, El País, em que apenas 10% se consideram trabalhadores. Todos os outros questionados dizem pertencer a classe média.

E fui procurar Kar Marx. O que diz ele sobre aburguesamento dos trabalhadores no sistema capitalista?

 Karl Marx aborda o conceito de aburguesamento dos trabalhadores, ou "embourgeoisement", em vários de seus escritos, embora não use exatamente esse termo. Ele discute como o sistema capitalista pode levar certos trabalhadores a adotar mentalidades e comportamentos da classe burguesa.

Marx argumenta que o capitalismo pode criar uma divisão dentro da classe trabalhadora, onde alguns trabalhadores, devido a melhores condições de trabalho e salários mais altos, podem começar a identificar-se mais com a burguesia do que com seus companheiros de classe. Esse processo pode ocorrer, por exemplo, com trabalhadores que se tornam supervisores, gerentes de nível médio ou que conseguem acumular algum capital. Ele vê isso como uma forma de enfraquecer a solidariedade de classe e manter o sistema capitalista.

No entanto, Marx acredita que esse fenômeno é limitado e não altera fundamentalmente a natureza exploradora do capitalismo. Ele argumenta que, mesmo que alguns trabalhadores consigam melhorar sua situação econômica, a maioria continuará a ser explorada e alienada. Além disso, a tendência do capitalismo é criar crises econômicas que acabam por reverter os ganhos temporários desses trabalhadores aburguesados.

Marx também observa que os ideais burgueses podem ser internalizados pelos trabalhadores através da ideologia dominante, que promove valores capitalistas como a meritocracia e o individualismo. Essa internalização ajuda a perpetuar o sistema capitalista, pois diminui a probabilidade de revolta e luta de classes.

Resumidamente, Marx reconhece que o aburguesamento dos trabalhadores pode ocorrer, mas ele vê isso como uma estratégia capitalista para dividir a classe trabalhadora e sustentar o sistema de exploração.

A sociologia moderna oferece várias perspectivas sobre o conceito de aburguesamento dos trabalhadores, refletindo sobre como as mudanças econômicas e sociais influenciam a classe trabalhadora e suas identidades. Aqui estão alguns pontos de vista destacados:

1. **Mobilidade Social e Consumo**:

   A sociologia moderna reconhece que nas sociedades contemporâneas, especialmente nas economias avançadas, houve uma elevação no padrão de vida de muitos trabalhadores. A expansão da classe média e o aumento do consumo entre os trabalhadores são frequentemente vistos como sinais de aburguesamento. A possibilidade de acesso a bens de consumo, educação e serviços de saúde, anteriormente acessíveis apenas à burguesia, pode levar os trabalhadores a adotarem estilos de vida e valores associados à classe média.

2. **Transformações no Mercado de Trabalho**:

   Mudanças no mercado de trabalho, como a diminuição dos empregos industriais e o aumento dos empregos no setor de serviços e nas áreas tecnológicas, também influenciam o aburguesamento. Trabalhos que exigem maior qualificação e oferecem melhores remunerações podem alterar a identidade de classe dos trabalhadores, fazendo com que alguns se identifiquem mais com a classe média ou até mesmo com a burguesia.

3. **Ideologia e Cultura**:

   A difusão de valores neoliberais, como o individualismo, a meritocracia e a importância do consumo, contribui para o aburguesamento. Os meios de comunicação e a cultura popular promovem estilos de vida aspiracionais que incentivam os trabalhadores a perseguir objetivos materiais e status social típicos da burguesia.

4. **Desigualdade e Polarização**:

   Apesar do aburguesamento de alguns segmentos da classe trabalhadora, muitos sociólogos destacam a crescente desigualdade e polarização social. A precarização do trabalho, o aumento de empregos informais e temporários e a estagnação salarial para muitos trabalhadores mantêm uma grande parte da classe trabalhadora em condições de vulnerabilidade. Isso sugere que o aburguesamento não é uma experiência universal e que as divisões de classe permanecem fortes.

5. **Perspectiva Crítica**:

   Alguns sociólogos críticos argumentam que o aburguesamento é, em grande parte, superficial e não altera as estruturas profundas de exploração e poder no capitalismo. Eles veem as melhorias materiais como uma forma de cooptar e pacificar a classe trabalhadora, desviando a atenção das desigualdades sistêmicas e das lutas de classe.

Boaventura de Sousa Santos, um sociólogo e teórico crítico português, tem discutido em suas obras questões relacionadas à transformação das classes trabalhadoras no contexto do capitalismo contemporâneo. Sobre o aburguesamento dos trabalhadores, ele argumenta que a classe trabalhadora passou por um processo de mudança de identidade e comportamento devido à influência do consumismo e das aspirações de classe média.

Santos sugere que, ao longo do tempo, os trabalhadores foram incorporando valores e estilos de vida característicos da burguesia, como a busca pelo consumo de bens e serviços que outrora estavam restritos às classes mais altas. Este fenômeno é muitas vezes impulsionado por políticas neoliberais que promovem a individualização e a competição em detrimento da solidariedade de classe.

Esse aburguesamento tem várias implicações, segundo Boaventura de Sousa Santos:

1. **Despolitização**: Os trabalhadores tendem a se afastar das lutas coletivas e movimentos sindicais, focando mais em questões individuais e de consumo.

2. **Fragmentação da Classe Trabalhadora**: A classe trabalhadora se torna menos coesa e mais dividida, dificultando a organização e a mobilização coletiva.

3. **Adesão aos Valores Neoliberais**: A adoção de valores neoliberais enfraquece a resistência ao capitalismo e às suas desigualdades intrínsecas.

4. **Erosão da Solidariedade**: A solidariedade de classe é substituída por uma competição individualista, onde cada um busca melhorar sua posição pessoal dentro do sistema.

Boaventura de Sousa Santos vê esse processo como parte de uma estratégia maior do capitalismo para desarticular a capacidade de resistência e contestação das classes trabalhadoras, promovendo uma conformidade com a ordem estabelecida. Esse fenômeno é central para entender as dinâmicas sociais e políticas contemporâneas, especialmente no que diz respeito à capacidade de organização e resistência das classes subalternas.


Estas perspectivas mostram que a sociologia moderna reconhece o fenómeno do aburguesamento dos trabalhadores, mas também ressalta suas limitações e as contínuas desigualdades estruturais que caracterizam as sociedades capitalistas.


Alexandre Inácio

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