A PAZ EXISTE?
Enchem a boca de paz,
mas não há tal paz no mundo.
Quem há tão cego, que não veja
o mesmo hoje em toda a parte?
Nos reinos, vassalos não obedecem aos reis.
Nas cidades, súbditos não obedecem aos magistrados.
Nas famílias, filhos não obedecem aos pais.
Nos particulares, cada um carrega dentro de si
a maior e a pior guerra.
Havia de mandar a razão,
mas o racional não lhe obedece;
nele, e sobre ela, domina o apetite.
A paz do mundo é guerra
escondida sob o manto da paz.
Chama-se paz e é lisonja,
chama-se paz e é dissimulação,
chama-se paz e é dependência,
chama-se paz e é mentira,
quando não seja traição.
A primeira coisa que me desedifica, peixes,
é que vos comeis uns aos outros.
Os grandes comem os pequenos.
Se fora pelo contrário, era menos mal.
Se os pequenos comerem os grandes,
bastaria um grande para muitos pequenos;
mas como os grandes comem os pequenos,
não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande!
Padre António Vieira
Adaptação poética, Alexandre Inácio
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