quinta-feira, 6 de junho de 2024

A paz

 




A PAZ EXISTE?


Enchem a boca de paz,

mas não há tal paz no mundo.

Quem há tão cego, que não veja

o mesmo hoje em toda a parte?


Nos reinos, vassalos não obedecem aos reis.

Nas cidades, súbditos não obedecem aos magistrados.

Nas famílias, filhos não obedecem aos pais.

Nos particulares, cada um carrega dentro de si

a maior e a pior guerra.


Havia de mandar a razão,

mas o racional não lhe obedece;

nele, e sobre ela, domina o apetite.


A paz do mundo é guerra

escondida sob o manto da paz.

Chama-se paz e é lisonja,

chama-se paz e é dissimulação,

chama-se paz e é dependência,

chama-se paz e é mentira,

quando não seja traição.


A primeira coisa que me desedifica, peixes,

é que vos comeis uns aos outros.

Os grandes comem os pequenos.

Se fora pelo contrário, era menos mal.


Se os pequenos comerem os grandes,

bastaria um grande para muitos pequenos;

mas como os grandes comem os pequenos,

não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande!


Padre António Vieira

Adaptação poética, Alexandre Inácio








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