quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Setubal

 







 

1- Ponto de partida

Há já alguns anos que visito Setúbal. Gosto da sua gente, das ruas e dos barcos com seus pescadores e todos os que em volta das ondas navegam.

Mas, por imperativos vários, sempre voltava a casa no mesmo dia, aumentando a gminha consciência de que para sentir um lugar é preciso dormir nele.

Desta vez, dormi três noites em Setúbal.

Durante o dia visitei vários locais, tendo começado pelo edifício da Câmara Municipal, o largo defronte, no Largo de Bocage!

O sítio transpira calma e um certo apaziguamento. Será das gentes? Será das consequências do Covid? 

Dali, segui para o Posto de Turismo, belamente decorado e com um bar no terraço, sobranceiro à praça, onde saboreei um delicioso café, sob o olhar atento do sol, que me envolvia com o seu tradicional calor duma manhã diferente de fevereiro!

Impossível visitar esta terra e não caminhar ao longo da Av. Luísa Todi, uma avenida verde e pujante de vida e arte!

O tempo corre, mesmo em férias, ou sobretudo, em férias. Uns choquinhos bem grelhados, bem regados, sob o olhar atencioso da empregada ( cabelos pretos e lisos, orientais, ou mais uma imigrante brasileira...) e ala até à beira mar, apanhar sol,  beber um café e consultar as notícias no tablet,  no Press Reader!

Voltamos ao Mosteiro de Jesus, na rua Acácio Barradas e as semelhanças com os Jerónimos são por demais evidentes. Soubemos mais tarde, que o convento se situa na passagem do gótico para o renascimento manuelino, tendo sido desenhado por Diogo Boitaca, em  1495, por desejo e ordem de Justa Pereira Rodrigues, ama de D. Manuel I.

O monumento, em fase de recuperação- pelo que, apenas, podemos visitar a nave central da capela mor- está despido de ornamentações e estatuária, de momento preservadas até final das obras.

O teto é suportado por colunas torças, ou torcidas feitas com pedras da Arrábida, acrescentando-lhe uma leveza e originalidade peculiares. As paredes laterais são revestidas de azulejos descrevendo cenas religiosas. Como curiosidade, fica a nota de que foi aqui rectificado o  Tratado de Tordesilhas, por D.JoaoII, dividindo as descoberto do novo mundo com a Espanha. Admirável terra, que a tudo assistiu e deu aval ao primeiro tratado global da história da humanidade!

Neste périplo, acabamos a tarde, na Casa da Baía, mais que um posto de turismo, é um espaço de divulgação dos bens desta terra e onde se pode lanchar, petiscar,alongar as pernas e saborear um delicioso licor!

Nas suas costas, o Bairro do Troino, um bairro com origem nos pescadores, mas parece que já no tempo dos romanos se fazia por aqui a salga de peixe! Lugar de destaque à mercearia Confiança, ricamente preservada pela câmara municipal e pelos herdeiros, a lembrar as mercearias deste país desde os séculos passados.

Era obrigatório passar no mercado do Livramento, que existe desde 1876, mas o edifício Art Déco é de 1930 e destaca-se pelos painéis de azulejos do interior, com cenas do quotidiano setubalense como o cuidar das redes, a salga do peixe, o transporte do sal ou a vindima. Salienta-se as cores dos frutos e legumes,  brilho dos peixes e a azáfama de quem lá trabalha.

Bem pertinho da Igreja de São Sebastião, na Rua Edmond Bartissol, n.º 12, encontra-se o espaço museológico Casa Bocage, o local onde nasceu o polémico poeta português. Vale a pena a visita para saber mais da vida e obra do Bocage. Não há outra terra onde um poeta esteja tão presente na vida da cidade, como esta. São ruas, largos, casas comerciais, em todo o lado, lá está Bocage, concerteza a sorrir por boas e memórias e outras de escarnecer, ou rir!

O mesmo preito é oferecido a Luísa Todi. Em estátuas, referências e nomes de rua e praça é outra presença constante a disputar a atenção com o poeta!

Não vou falar do Forte de S. Filipe, do Museu do Trabalho, nem no Miradouro de S. Sebastião, porque os tinha visitado anteriormente. 

Aqui, ainda muitos se lembram da importância da industria conserveira. Ainda andam no ar os gritos de chegado do peixe e o barulho das corridas das mulheres nas ruas, a correr para as fábricas, onde só havia trabalho quando havia peixe, trabalho que podia durar 12, 14 ou 16 horas. O tempo era determinado pela existência do peixe e a necessidade de sobreviver. Até que o 25 de abril pôs fim a este calvário.

Desapareceram as conserveiras, os soldadores das latas, os batedores, os "mexilhões" e os carregadores, de cestos à cabeça.

Numa próxima vez prometo visitar o parque do Bonfim e o aqueduto de Setúbal, sempre com bom peixe ao almoço e boa companhia ao jantar e ceia.

Venho embora com o sentimento de ter estado com gente amiga, uns familiares distantes e alguns soajeiros que para aqui migraram nos anos 30 e 40 do século passado. A todos procurei, nas ruas, jardins e padarias. A todos deixo a promessa de voltar mais vezes e, quem sabe, visitar os amigos, fazer amizades novas a acrescentar às atuais, em próximas crónicas. 

Manuel Rodas




Sem comentários:

Enviar um comentário

Seja crítico, mas educado e construtivo nos seus comentários, pois poderão não ser publicados. Obrigado.