Era uma vez um homem que queria estar só
Um dia avisou familiares e amigos
libertou o periquito
disse até logo ao carteiro
acenou com a mão ao padeiro
Mochila às costas pedalou na sua bicicleta cinzenta
e foi para a montanha
que havia dentro de si
Quando lá chegou
achou a gruta mais pequena
que da última vez
e como não havia mais ninguém
sorriu para si
Depois de arrumar
a parte mais desarrumada
surpreendeu-se
porque ainda não estava tudo no lugar
Os dias passaram a arrumar a pequena gruta
e como não havia mais ninguém
sorria para dentro da gruta
Contava histórias a si próprio
e começou a numerá-las
porque se cansava a falar alto
Assim bastava dizer, a número 90
e a história passava toda à sua frente
como no cinema ou na televisão
Começou a reparar que havia histórias
mais vivazes que outras
mais egoístas
sempre a quererem ser lidas
mesmo atropelando as outras irmãs
Uma dizia assim
SÓ, CAMINHO SÓ
Encontraram-se num caminho
que não se cruzava com outros.
Era um caminho só,
mas servia a ambos
para um destino comum
que logo adivinharam
ao encontrarem-se nos olhos;
as bocas pouco disseram,
as mãos sim:
colaram-se, quase se fundiram
(fc)
Ele gostava desta história e a história gostava dele
ficou a ser a 91
havia outra que também porfiava, a 92
ISTO É VIVER?
Se tenho de viver sem amor
encurtem-me a vida.
Isto não é viver,
mas estar já morto por dentro.
Resta pois o corpo.
Que se vá para onde merece:
faça-se em pó
e povoe uma montanha
ou dilua-se num mar (fc)
E ainda mais outra história, a 93
CÉU AZUL
Era um céu azul claro e calmo; sem manchas nebulosas, cobrindo um vasto terreno guarnecido de ervas bravias, alinhadas pela Natureza, de um verde quase transparente e polvilhado de pequenas flores brancas e outras amarelas,
também de brilho mate, harmoniosamente agrupadas.
Procurei na realidade algo de semelhante. Encontrei-o:
nos teus olhos um brilhante e suave azul; e, em mim, um verde – esperança de te ver e poder entregar-te um ramo de flores brancas e outras amarelas, amarrado pelas minhas mãos. (fc)
...
Um dia quando voltou do passeio matinal pela floresta
surpreendeu-se
ao ver o saco de pão preso num ramo de árvore
o correio dentro dum saco de compras
um ramo de lindas flores
e o periquito que de tanta alegria
deixou curiosos outros pássaros
Ah! Surpreendeu-se ele.
Tenho de voltar e avisá-los
devem ter ficado muito inquietos com a minha ausência
Quando voltou
era o único que resplandecia
as cores verdes da floresta
os outros estavam contaminados
de ares sérios e preocupados
Foi um a um avisá-los que a cura estava na floresta
e assim salvou os amigos
apenas por querer estar só
Quando tudo terminou
a bicicleta estava azul
e ele foi rápido a inventar uma nova história
a 94...
Era assim, o homem que queria estar só
13 março, sexta feira, MRodas
Magnifica Homenagem ao Fernando Carvalho, com a transcrição de alguns dos seus escritos!
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