terça-feira, 27 de novembro de 2012

O MEU AVÔ MARUJO

por do sol


I
O meu avô era alto
Por isso, via mais longe!

Um dia sonhou
que havia de pescar o nevoeiro
Na várzea do rio
 E dá-lo às crianças
Para brincarem no alpendre!

Foi trabalhar
 nos domingos de manhã
E fez uma escola.
A partir daí
Nunca mais ficou sozinho!
Ensinava às crianças
A pisar uvas e cuidar das cabras.
Ensinava às uvas e às cabras
A cuidar das crianças!

II
O meu avô Marujo tinha longas pernas
E mãos grandes
Que tapavam os olhos
Para não ver a serra dentro dele.
Quando as longas pernas
Ficaram cansadas
Falava com a burra branca
E iam os dois ver a serra
Que não podia esconder dentro dele.

Os filhos ofereciam-lhe palavras

de saudade e consolo.

Ele respondia : E eu que te pedi?

III
Afagava as abelhas nos cortiços.
Servia-lhes água no suor das mãos
E das pedras pisadas
Nasciam flores!
O aroma do vinho com mel
Enchia a ternura da casa.
O alquimista das flores e dos sonhos
Olhando o fundo mais fundo da lareira
Sorria e dizia aos netos: Quero essa manta toda brincada!

IV
O meu avô Marujo
Falava do Teso do Inimigo
E do Coto do Fascista
E dos refugiados da Guerra Civil.
Falava de requisições e senhas
De tempos difíceis e maus.
Contava que o regedor
Vinha requisitar o milho
Que ele escondia nos pipos da adega,
Porque o inverno tinha sempre muitas bocas.
O meu avô era republicano
Dava conselhos
Tocava bandolim e castanholas.

Às vezes afagava a sombra das árvores
E olhava longe, longe
À procura dos meus olhos de criança.
Como não sabia o que dizer, sorria!
E ele sorria também,
O meu avô Marujo!

8 comentários:

  1. Alexandre Sousa11/28/2012

    A este Avô apenas um comentário possível: ABSOLUTAMENTE BRILHANTE.
    Adorei. E abusei. Copiei para ler aos meus alunos de Escrita Criativa, no dia dedicado à Tertúlia Poética.
    Por isso um grande obrigado. Um abraço.

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  2. Cecília Ribeiro disse: Primo , ao ler pareceu-me ver o nosso avô, obrigada pelo momento...

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  3. Isa Magalhaes11/29/2012

    Lindo, Manel. Bela homenagem. Bj

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  4. Anónimo11/29/2012

    Olá Manuel. Os teus escritos também têm mel pois não se consegue despegar deles antes do fim. Abraço. Paulo.

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  5. Anónimo11/29/2012

    Joaquim Enes disse:
    li... gosto do teu avô/poeta/sonhador,... tiveste sorte, atrevo-me a dizer que é a tua inspiração poética... o teu avô Marujo, faz-me lembrar a minha avó materna, a Deolinda...

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  6. Vimos, por este meio, informar que o seu texto foi publicado na Escrita Criativa de Dezembro, poderá ler no link:

    http://issuu.com/escritacriativa/docs/revista_30

    Aproveitamos para agradecer a sua participação, caso tenha algum comentário sobre a Escrita Criativa de Dezembro pode comentar no Facebook, Blog ou para este email.

    Sem mais assunto, despedimo-nos,

    Com a máxima consideração,

    Equipa Revista Escrita Criativa

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  7. Luís Filipe Lucena Ferreira

    Caro Manuel

    Gostei muito de ler os últimos trabalhos que me enviou, "O meu avô marujo" e "Sorrisos". Na poesia, consegue dar, de forma muito bela, a imagem do avô, que se recorda sempre com saudade, misturando habilmente os factos reais com a imaginação infantil, com momentos de, pelo menos para mim, muito boa poesia. Basta-me citar: " O meu avô Marujo tinha longas pernas/E mãos grandes, Que tapavam os olhos/Para não ver a serra dentro dele/Quando as longas pernas/Ficaram cansadas".

    Transcrevo apenas esta pequena amostra mas todo o poema está cheio de bons momentos, misturando habilmente a realidade (como a recordação da Guerra Civil de Espanha, muito presente numa aldeia perto da fronteira) com a fantasia (o alquimista das flores e do sonho).

    Gostei mesmo. Deve continuar, e publicar!

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  8. Anónimo1/10/2013

    Parabéns pelo seu dom. Continue.
    Sónia D

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