quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A minha primeira mota

A minha primeira mota

Após a conclusão do curso no Magistério Primário de Braga, em Julho de 1974, iniciei a minha vida profissional, como professor primário na Escola Primária de Cunhas. Como residia na casa dos meus pais em Paradela, tinha de me deslocar 4km. (aprox.) para Cunhas e 4Km no regresso. Havia uma estrada florestal, mas não existia nenhum transporte público. Iniciei o ano lectivo a pé e apesar dos meus 21 anos, a distância, era considerável, pois ainda levava a pasta com algum material e o meu almoço.
O meu pai, que era guarda-florestal, teve em tempos, uma Perfecta e fiz algumas viagens com ele, nomeadamente até à Ponte da Barca e aos Arcos de Valdevez. Só tinha de descer à entrada da ponte (hoje velha, na altura única) e depois de passar o polícia voltar a agarrar-me ao meu pai e seguir viagem. Aquela ponte era enorme para os meus 6, 7 anos e a angústia de me perder deixou-me sempre uma imagem da vila dos Arcos fria e cinzenta.
Na minha memória existia portanto uma Perfecta. Com um grande problema: eu não sabia andar, nem de bicicleta, quanto mais de mota.
Queria-a vermelha e em relação às outras características, confiava no meu pai e no vendedor, o sr Adinamérico. Depois de escolhida na Valeta, meu pai emprestou-me os 5 contos e fez-me o favor de a trazer para casa. Agora era comigo.
Claro que aprendi a pôr o motor a trabalhar; travava, embraiava e com os pés a arrastar pelo chão (media 1,83) e capacete azul na cabeça, metia a 1ª mudança e lá ía atrás das letras e dos números dos meus ansiosos alunos. O coração batia, a adrenalina subia, o cheiro da mistura inebriava-me e por fim lá chegava, aproveitando a descida para carregando na embraiagem ganhar mais alguma velocidade. Vitória, tinha reduzido o tempo em um terço. Os alunos aguardavam, tentavam dar os parabéns e a mota era sinal que eu não ia desistir. Estava para ficar.
O pior estava para vir. No regresso eram 4 Km, sempre a subir!... O Félix, um amigo de infância e que tinha trazido uma Honda de França, ainda me deu umas luzes de como fazer para manter o equilíbrio, mas aquilo era um sofrimento. Ela, vermelha, quente, resfolegava por baixo de mim a pedir mais, eu a suspirar por não poder corresponder e os 4 Km à nossa frente num diálogo de surdos, perante a disponibilidade dela e a minha mais que visível incapacidade! A coisa foi correndo, umas vezes levantando o pé direito, o pé esquerdo, outras, a medo, levantando os dois… mas aquilo não estava bem. Disfarçávamos os dois. Não havia dúvida, a luta era comigo e com ela. Nós os dois tínhamos de nos entender, e para isso nada melhor que um diálogo sem pressas, sem cronómetro e sem espectadores. Só nós!...
-Amanhã vamos para a recta na estrada Poulo dos Garfos, com vista para a Várzea.
E assim foi. Durante algumas horas, gritamos, barafustamos, ameaçamos desistir, tentamos de novo, suspiramos, suamos, e por fim… sorrimos… sabíamos que nos tínhamos ganho um ao outro. Assim nasceu a nossa história. Entramos em casa com ar de vitória que os dias seguintes consolidaram. Em pouco tempo a nossa relação ganhou asas e por fim voávamos a 100 Km nas descidas de Cabana Maior.
Ela foi a minha companheira inseparável durante 5anos. Tudo que de bom e de mau aconteceu partilhamos os dois. Dos meus receios e insegurança iniciais como professor, à minha reinserção naquela comunidade, à defesa dos meus ideais de Abril, à descoberta da liberdade e do amor, enfim da minha vida.
Um dia, em 1979, resolvi que Viana do Castelo, onde então trabalhava, era pequena para mim. Eu queria ver mundo. Precisava de mundo e nada melhor que mergulhar na capital, Lisboa. Guardei-a na casa do Luís Carvalhosa e mais tarde vendi-a ao Gilberto, já não sei bem por quanto. Anos mais tarde visitei o Gilberto na Meadela e ela ainda lá estava; lavada, com pneus e espelhos novos, asseada, silenciosa e fria, sem o seu perfume, olhando para mim de soslaio, ressentida pelo meu desprendimento, afastamento, distância, sem manifestar saudades, enfim moribunda! Consolei-a, de coração apertado:
- Um dia venho buscar-te!
E assim vivi 15 anos em Lisboa sem mais pensar nela. Até que um dia comprei uma Virago 2 e meio, cinzenta. Linda, suave, baixa, económica e sedutora, mas fazia-me dores nas costas.
Substituí-a por uma Diversion 600 vermelha. Enérgica, sibilina, tinha rompantes, sempre disponível, nunca dizia não, mas…curta! Passei para 900. Preta com riscas azuis. Grande, afável, também sempre disponível, companheira de muitas viagens ao Norte, mas pesada, com dificuldade em se mexer na cidade. Ainda ali está, no terraço, à minha espera, com encontros cada vez mais espaçados. Não há dúvida, cavou-se uma distância entre nós. Amiga, eu sei que ela está lá, mas as expectativas de desejos e aventuras foram-se…
A Solex apareceu recentemente na minha vida de uma forma inesperada. Com ela descobri as bicicletas, a mecânica simples, a velocidade entre o andar a pé e de mota. Com mais tempo para ver-o-mar, a praia, as árvores, pássaros e os outros. E uma grande comunidade amante de Solex. É um amor para durar! Mas…como é um brinquedo antigo, anos 60, trouxe-me à memória uma frase batida: e a V5? Então tenho-me lembrado da promessa “Um dia venho buscar-te “. Mas a realidade impõe-se e sinceramente, já nem sei o contacto do Gilberto, nem se a vendeu, já passou tanto tempo! Ainda apensei em encontrar outra Sachs-V5, mas não era a mesma coisa! Que diria ela se um dia soubesse que nem cumpri a promessa e ainda por cima a tinha trocado por uma parecida?
Ficamos assim....

5 comentários:

  1. Gostei muito do teu texto:ao lê-lo transpareceram todas as sensações que tiveste.O meu pai também teve uma V5 e ainda hoje fala dela.Será que essa mota é assim tão especial?Abraço do Rui

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  2. Anónimo1/29/2010

    Manel,
    Conseguis-te a bonita proeza de me prenderes na leitura do teu texto. Tão bonito... até apetece ser mota.
    Vou no Carnaval à Lapónia com o Guilherme. Vamos andar na neve, a pé, com huskies, com renas, em motas de neve e, pois claro, visitar o pai natal. Não kerem vir?
    Ana

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  3. Concordo com o teu amigo Rui - ao lermos este texto estamos a "sentir" o que tu sentiste e sentes.
    Já pensaste em passar aos outros, com continuidade e um fio condutor, as várias experiências como professor?
    Foi, numa aldeia de Ponte da Barca, que me efctivei a primeira vez - Boivães. Também tenho experiências inesqueciveis e que, muitas vezes, tenho passado verbalmente.
    Uma braço. Lena

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  4. Anónimo2/22/2010

    Quem me diria que ao fim de tantos anos viria a descobrir a origem da paixão pela mota ?????
    Eu comecei pela bicicleta, tive medo de passar para a mota,e acho que a mota perdeu completamente a oportunidade comigo !!!
    ...E vê lá se cuidas um pouco mais do blog que os posts estão um bocado espaçados. Perdes leitores.

    Encontramo-nos no face.
    Abraços e beijos para ti e para as tuas meninas, com saudades.

    Caterina

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  5. Gostei muito. É bom conseguir expressar assim as nossas memórias.

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