quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O JUIZ DE SOAJO




- Então Rodas, qual é a história do Juiz de Soajo?
- A história é simples, Modesto! Conta-se que por volta da primeira metade do Sec. XIX, na então Comarca de Soajo, pedia-se a condenação de um réu por crime de homicídio e todas as provas apontavam no mesmo sentido: disputa de águas, talvez um pouco de saias e quem sabe … líderes naturais com necessidade de afirmação e poder…
Ora o juiz era a única testemunha que naquele dia, àquela hora, o réu se encontrava em local totalmente distinto e afastado da cena do crime, pelo que em consciência não o poderia condenar, embora fosse necessário fazer aplicar a lei e justiça!
Depois de muito ponderar a sentença surgiu certeira:
“ Que o homem morra, que não morra
Dê-se-lhe nó que não corra,
O homem vai a condenar,
Mas tem cem anos para se preparar!”
- Mas isso até rima..!
- Esta foi a forma que o povo encontrou, através da tradição oral, de manter viva este facto relevante, porque representava, para além da sabedoria da sentença, a aspiração das pessoas à justiça!
- Estou a ver! É muito interessante… Mas como queres com essa história fazer um filme?
- A história que gostaria de contar tem a ver com outros crimes que se passam na nossa terra, Modesto, e a nossa terra não é só o Soajo… é toda esta zona do Alto Minho! O Juiz bem podia ser da Gemieira, da Correlhã, de Monção ou de Melgaço e o crime não é a morte de ninguém em especial, mas sim a morte lenta da nossa cultura, daquilo que o homem foi criando neste contexto específico, das aldeias, serras e vales do Alto Minho e que tu tão bem e com tanto esforço tens recolhido nos teus filmes… Tu tens gravado muitas dessas manifestações culturais, o rio Lima, os casamentos, os baptizados, as festas, a desfolhada, o canto ao desafio, o linho, o vinho, o pão, sei lá…Primeiro foi a imigração que levou as pessoas daqui para fora e quando voltavam já não queriam ser identificados com a pouca sorte e a desgraça de terem deixado a sua terra… depois a massificação de bens de consumo estranhos, o crescimento desorganizado na aldeias e vilas, a corrupção e as influências, a Coca-Cola, as pizzas e a comida e o dinheiro de plástico com regras bem definidas pela CE, a interiorização de modelos culturais criados noutros contexto, e por fim a desorientação geral, o que fazer com as nossas aldeias? A tendência é as pessoas concentrarem-se nas vilas e cidades e estas têm um ritmo, uma organização característica muito diferente… mais individualista, cada um na sua célula, no seu elevador, na sua varanda…
- São os tempos modernos! Mas vive-se melhor… hoje!
-Vive-se com mais fartura e com melhores cuidados, mais sozinhos, mais egoístas, perdendo a memória de quem somos e donde viemos… Assim como podemos saber para onde queremos ir? O crime é esse, Modesto, cada vez mais gordos, cheios de colesterol, bem vestidos, sozinhos, egoístas, embriagados de calmantes, a querer ser outra coisa que não somos …e a querer esquecer o que somos…
- O guião do filme será, então, a memória desse tempo… de convívio, de proximidade, de solidariedade entre as pessoas?
- Sim …seria isso…conflitos, sonhos, frustrações, desejo de justiça… a que quase todos aspiramos… essa é a historia do Juiz de Soajo! Um juiz que não quer ver as pessoas sem perspectivas de vida decente, vítimas dum passado e dum destino adverso, mas sim, senhores dum futuro com esperança, actores e autores dum mundo melhor…pessoas que conhecem e respeitam o seu património e por isso o amam…
- Mas isso já era um filme … a nível nacional…sei lá…
- … Pois….se o geral se revê no particular, porque não? Agir localmente, pensar globalmente! Como diria o poeta “ Em cada lago, a lua brilha, porque alto vive”…
- É tarde! Temos de amadurecer melhor essa ideia e pensar no financiamento! Sei lá … as autarquias… empresas… associações… o PNPG….Vamos pensar… Até à próxima…
- Até breve, amigo…
Manuel Rodas
Oeiras, Janeiro 2008

2 comentários:

  1. Anónimo4/18/2008

    Afinal de contas não seria óptimo aproveitar enquanto se passeava país fora ou "dentro" para lhe fornecer ainda mais do que a que me parece sentir, inspiração, poética e não só,como a que "imensamente" linda oferece de locais como a Peneda "por exemplo", e que eu conheço tão-bem.
    O Soajo é efectivamente algo que nem parece deste tempo, tal como Castro Laboreiro, ou São Gregório, locais onde a pouca vergonha desta civilização? ainda não chegou!.
    Muito OBRIGADO, pelo saber ser assim.

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  2. Manuel Lage Santos9/09/2011

    Sem duvida * Amigo e conterraneo Prof. Manuel Rodas * com muito gosto e amor, li toda esta sua basta resenha historica em todo o seu percurso, desde Soajo nossa terra Natal, ate' aos mais longincuos e remotos sitios com muita imaginac,ao,nas suas aventuras, pedestres e motorizadas ! Um bem haja Grande Amigo e Conterraneo* Um abrac,o* Manuel Lage Santos* USA

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