segunda-feira, 21 de maio de 2018

Rio de cera

Rio de cera, um filme do amigo Carlos Silveira, que mais uma vez nos convida a uma viagem celebrando a tradição e a identidade do povo de Tróia e de Setúbal. Parabéns, amigo!

vimeo.com/269612159

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Naulila

Nautilla

De mãos dadas
Com a areia deste deserto
alma seca de raiva
sombra duma pátria verde
aqui pincelo de vermelho as areias 
sob os teus olhos secos
meu irmão

Aqui morro
para que nada mais reste
e a tua memória celebre
os rios frescos da saudade
auroras verdes
no intervalo do tempo
fronteira entre a vida e a morte
meu irmão

Isto é Naulila

MRodas

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Entre o céu e a terra

Entre o céu e a terra
passagem breve  entre dois pontos
na linha da vida

Silêncio de nuvens nos hemisférios
rosário de preces ao céu
gotas de ambar suspensas
nas pregas das almas
adormecidas

Entre o céu e a terra
passarolas mortas de gritos
na linha da vida

Aqui me deito
aqui volto
passagem entre dois pontos
geometria verde e vermelha
estrelas errantes
risco, luz  e amor... na linha da vida
onde a morte não existe!

MR

terça-feira, 24 de abril de 2018

Espera

Esperei em vão
A música que esperei por ti
os perfumes que teci
nas dobras dos castelos sem areia...

Se ainda vieres
traz o pão e o vinho
senta-te
para que eu não demore muito,
meu amor!

MR

domingo, 22 de abril de 2018

Mário Portugal

Exposição no P. Egito, em Oeiras
Vale a pena.
Nestes quadros a Severa e o Fado são representados com cambiantes de luz sugestiva, a arte e a sobrevivēncia da cultura urbana, o fado de todos nós, Mariza!
A mulher ocupa espaço privilegiado, é a figura central, quase sempre com presença da guitarra. As cores quentes e a geometrização dos espaços preenchem um todo de muito belo efeito! A não perder!

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Cristo Português



Cristo Português


Manuel da Silva estava há oito meses na trincheira da Flandres, que ficava entre as localidades de La Couture e Neuve-Chapelle. A vida nas trincheiras era dura e aguardava há muito a sua substituição, bem como a de todos os seus camaradas, que como ele ali tentavam enganar a sorte e permanecer vivos para regressarem a suas casas.
As escaramuças com a artilharia alemã eram frequentes e os bombardeamentos com gás, o pão nosso de cada dia. Nem sempre podiam ripostar por falta de munições e de entusiasmo. Deixá-los lá disparar. 
 Por falar em pão nosso de cada dia, este resumia-se a umas conservas inglesas, frias e mal sabidas e um pão escuro como terra. Que saudades da boroa dos Arcos, com côdeas castanhas, como os teus olhos Maria e branca, branca como as tuas coxas, meu amor.
Manuel da Silva era um soldado prático. Deixara a mulher em casa dos pais, não fosse o diabo tecê-las. Ali estaria mais segura para quando ele regressasse. Quanto ao resto, olho fino e pé ligeiro. Ainda pensara fugir à tropa, ir até Vigo e dali partir para Cuba, rumo aos Estados Unidos. Mas o amor atraiçoara-o. Acabou casado e a marchar para Braga, Tancos e finalmente Brest e Flandres, na guerra. 
Quando pensava nela respirava fundo, para que a saudade o não abafasse de vez. Acreditava no seu pelotão e no alferes. Dali para cima só em Deus  e naquele Cristo na planície. Todos os dias o olhava desde a sua trincheira cavada na terra e se interrogava quem teriam sido os franceses, que o teriam colocado lá, mesmo no meio, entre ingleses, portugueses e alemães.
Interrogava-se porque ainda ali permanecia, mesmo no cruzamento dos fogos de artilharia e infantaria. Apesar de alguns estragos ele lá continuava dia e noite, a clamar por paz, aos homens surdos e cegos à sua presença. Era apenas uma estátua ou teria vida e seria mesmo sagrada? Admirou-se consigo próprio porque nunca fora dado a essas meditações. Acreditava em Deus e no pároco da sua aldeia e...pronto. O resto do tempo era para cuidar da vida e sonhar com a sua Maria, que lá longe o aguardava e a quem tinha prometido voltar. Eu volto, meu amor, eu volto.
Trazia consigo esta dúvida que dia a dia mais o apoquentava, resistia o Cristo da planície às balas, ou tinha tido sorte, apenas? Ou era um exemplo de que ele também poderia resistir: tal como eu, também tu resistirás! 
Tudo isto lhe parecia um pouco confuso e resolveu não partilhar esta dúvida com ninguém. Manter-se-ia atento e logo veria o resto. Ilusão, sorte ou crença e fé?
 Na noite de 7 de Abril de 1918, o seu posto tinha cinco foguetes luminosos (very lights), o que lhe pareceu pouco para a eventualidade de serem atacados numa noite quase sem visibilidade. Pediram então mais very lights ao comando. O pedido foi negado. Que se remediassem como pudessem, responderam. Resignado, manteve-se em vigia. Até que chegaram as quatro horas da madrugada do dia 8 de abril.
Manuel da Silva, soldado crente em Deus e duvidoso daquele Cristo das Trincheiras, aproveitou a luz dum very light e disse para si próprio, É hoje! 
Fez pontaria com a espingarda, e a cruz aparecia mesmo no meio da mira. Disparou duas vezes sobre o Cristo inerte na sua sombra deserta e fria.  Tinha a certeza que lhe tinha acertado, mas a cruz lá permanecia, ensombrada pelo nevoeiro e a metralha, perante a incredibilidade e espanto do atirador, de mãos trémulas, saiam-lhe roncos e soluços do peito: Perdoai-me Senhor, perdoai-me! - E soluçava compulsivamente.
Não teve muito tempo para se arrepender, porque sobre aquela planície, caiu uma tempestade de fogo de artilharia, durante horas a fio, que a metralhou, a incendiou e a revolveu. Era a ofensiva da Primavera de 1918 do exército alemão. 
A povoação de Neuve-Chapelle quase desapareceu do mapa, de tão transformada em escombros. A área ficou juncada de cadáveres e entre estes jaziam 7.500 portugueses da 2ª Divisão do CEP, mortos ou agonizantes.
No final da luta apenas o Cristo se mantinha de pé, mas também mutilado. A batalha decepou-lhe as pernas, o braço direito e uma bala varou-lhe o peito. Mas, no meio do caos, e antes de recuarem, para se reagruparem e regressarem às linhas aliadas, Manuel da Silva e mais camaradas que a tudo tinham assistido, correram e trouxeram às costas aquele Cristo ferido e magoado e colocaram-no em local seguro onde pudesse ser novamente venerado.
Com olhar recriminatório pela ousadia e pesaroso pelo número de baixas, o alferes lançou um ultimo olhar aos quatro e sabe-se lá onde foi ele encontrar uma réstia de esperança que lhe abraçou o rosto num único sorriso breve e pesaroso.
Foi a olhar para aquele Cristo, e ao ver o sorriso do seu alferes, que Manuel da Silva ficou com a certeza que regressaria à sua terra, lá longe nas margens verdes e luminosas do rio Vez!

Em 1958 o Governo Português mostrou o desejo de possuir aquele Cristo mutilado ao Governo Francês. Tornara-se um símbolo da Fé e do Patriotismo nacional e passou a ser conhecido como o "Cristo das Trincheiras". A imagem chegou a Lisboa de avião, a 4 de Abril de 1958, uma Sexta-feira Santa. Ficou em exposição e veneração na capela do edifício da Escola do Exército até 8 de Abril, quando foi conduzida para o Mosteiro da Batalha e colocada, a 9 de Abril à cabeceira do túmulo do Soldado Desconhecido, na sala do Capítulo.


quarta-feira, 11 de abril de 2018

Setubal

O edficio da Camara Municipal de Setubal é lindo!


As escadas interiores 

Pintura representando as figuras mais importantes de Setúbal ao longo dos tempos. Em primeiro plano Luísa Todi e Bocage


Sala de reuniões

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Salgueiro Maia

Em Castelo de Vide encontrei uma surpresa, a casa onde nasceu o capitão de Abril, Salgueiro Maia. A casa foi vendida a particulares e está em recuperação!
Parece que a família não quis deixar fazer um museu, porque ele não seria favorável a homenagens...
Há homens que mesmo depois de mortos continuam VIVOS!









sexta-feira, 30 de março de 2018

MEDO






Eu era soldado e sentia-me só em Lisboa, se é possível estar sozinho em Lisboa. 
Uma fantasia antiga aliciava-me para que fosse, agarrava-se a mim, dizia-me que não havia razão para tanto receio. Iria ver como estava enganado. Sorria descaradamente, deixando escorrer a magia da volúpia. Ainda havia de agradecer. Bajulava-me. Um soldado devia ser generoso e audaz. Para as grandes decisões bastava, a maioria das vezes, uma pequena anuência e outras coisas assim, para me convencer. E despia-me de toda e qualquer compaixão. Verdadeiramente eu não queria ir, mas não tive coragem de reconhecer o meu medo. Também não queria desiludi-la.
Muito tenso e disfarçando o nervosismo aceitei subir os três degraus da plataforma e sentar-me numa cadeira livre. Altifalantes difundiam uma explosão de ruídos e música que não me deixavam pensar serenamente.
O que se passou a seguir foram subidas, acompanhadas por descidas abruptas ao interior de mim mesmo, a esse espaço ascentral onde a civilização foi arrumando todos os horrores acumulados por séculos e séculos de pavor, sobrevivência e medo.
Vi os grande tigres, dentes de sabre, a devorarem a aldeia, vi as inundações, tempestades e relâmpagos a consumirem o universo, a fome, a peste e a guerra em danças macabras, a traição nos olhos dos filhos e pais a devorarem crianças com esgares de fome e loucura. Vi o chão a levantar-se, emergindo dele as cobras imensas e monstros mais horrendos. Das nuvens caíam salpicos de sangue e corpos a desmembrarem-se. Era Babel que caía mil vezes, Sodoma e Gomorra que se destruíam outras mil, dentro de mim. 
À minha volta, os corpos atapetavam o pensamento, as bombas enlouqueciam de raiva, enquanto eu era atirado ao ar, folha de mortalha enrolando todo o sofrimento, angustia e desgraça projetadas pelos carris num movimento de eterna calamidade. O cheiro a enxofre e ovos podres entupia as narinas e acidulava as meninges, provocando vómitos ininterruptos e a alma libertava-se do corpo, em convulsões de desânimo e dor. 
O calor das labaredas e explosões encrespava a pele e encarapinhava os cabelos. Até as unhas gelatinavam e as botas fumegavam um ar tóxico e mordente.
Não sei calcular quanto tempo demorou esta viagem. Podiam ser séculos, anos ou apenas uns minutos. 
Quando por fim acabou, olhei em volta à procura dela, mas tinha desaparecido nos corredores e subterfúgios mais densos da minha consciência. Atordoado, levantei-me, bati os pés no chão e senti-me vivo, de mãos dadas com o universo, sem fugir de mim, de regresso à origem, onde me tinha inventado. 
Afinal, a viagem apenas começara. 
Manuel Rodas

domingo, 25 de março de 2018

Jeremias



Conheci Jeremias na serra, quando fui professor na aldeia.
Ele era um resistente natural. Ele era a serra. Aliás, não sei onde começava a serra e acabava o Jeremias.
Quando ele adoeceu trouxe-o para minha casa, na cidade, e levei-o ao médico.
O mestre da serra cedeu espaço à civilização. Atento a tudo, perguntava, mas não fazia críticas. Percebi que procurava entender o novo mundo.
Passado algum tempo disse-me:
-   Leva-me à serra? Falta-me fazer uma coisa lá...
-   O que falta fazer, Jeremias?
-   Falta-me ainda ...morrer!

Sorria, a olhar-me fixamente, com ar sereno!

MRodas

Lugar do tempo



Lugar do tempo

Eras o tempo dentro de mim
Esvoaçavas como pássaros
Contra os vidros
Duma janela inventada

Mudavas o tempo
Ou a alma em golpes de sol

Despida de névoa e areia
No altar íngreme da vida
Onde o sol persiste
E cede o lugar ao grito
De mãos dadas com a tua seiva verde

Ecoam nos vales molhados
O clamor da minha trovoada

Doce, doce é a saudade
O resto é chuva, vento e maresia


MRodas

Às cores



Às cores

Quando tu me inventaste
Eu era ainda vermelho de cardo
Na minha maior idade azul

Depois que partiste
Fiquei azul vermelho de romã
Dentro duma lua fria e escura

Amanha
Talvez sejas o arco íris
Que todos os dias
Abraça
Novas nuvens

Dentro da solidão inventada.

MRodas