terça-feira, 8 de abril de 2014

José Gomes Ferreira, o meu poeta de Abril!

José Gomes Ferreira, Poeta, Homem e tudo! Grande!


Os meus amigos Vera e António, apresentaram-me a tua poesia, numa tarde solarenga em Viana do Castelo. Decorria muito devagar o ano de 1979…tinha eu 26 anos.
Passei na livraria e comprei o “ Poeta Militante “. Achei graça ao título. Um poeta que faz da sua arte uma forma de estar na vida, militando, intervindo com as palavras, as imagens e emoções, de tanto amar os sonhos!
E depois, tu sabes, a poesia entranha-se…nem se chega a estranhar, tão bem tu me explicavas, antes de cada poema, as condições que evocavam em ti a musa. Ou as inventavas…Não sei bem.
Embalado pelas tuas estrelas e madrugadas que nunca mais são, corri como uma criança atrás de ti: - Senhor, Senhor, deixou cair uns papéis…
E foi assim que soube – a aprender a falar com as nuvens e as estrelas -  que nasceste no Porto, em 9 de Junho de 1900.
Só podia ser. Nascer de véspera  para ainda vir a tempo do dia da Pátria! Ah! Poeta!
Em 1904, vens para Lisboa, onde foste criado “longe das árvores, no roldão poeirento das cidades” .
Eu também havia de vir para Lisboa, um pouco mais tarde, em 1979, ainda no rescaldo da revolução de 1974! Grandes tempos, José Gomes Ferreira! Grandes tempos!
Estudaste no liceu Camões e no Gil Vicente e terminaste o Curso de Direito, em Lisboa, no ano de 1924.
Foste cônsul na Noruega. Não tiveste frio? Bolas! Era preciso ganhar a vida, não é?!...Mas também não foi por muito tempo ! Só seis anos, e eis-te de regresso  a Lisboa .
Colaboraste nas publicações da Presença, Seara Nova, Descobrimento, Imagem, Sr. Doutor, (que prazer imenso deves ter tido na escrita do João Sem Medo!) Gazeta Musical e de Todas as Artes e Ilustração (1926-1975).
E tinhas tempo para a poesia? Ah! Isso também era uma forma de militância pela vida desejada: “Mas qualquer balouçar ao vento me parece Liberdade.”
Também traduziste filmes ( sob o pseudónimo de Álvaro Gomes ) e foste argumentista nos filmes do Chianca de Garcia.
Que graça, Álvaro Gomes! Nunca saberei porque escolheste este nome.  Porque seria?...
Quem procura sempre encontra e eu fui na tua peugada a chamar: - Senhor, Senhor…
E descobri que te iniciaste na poesia com o poema, “ Viver sempre também cansa”,  publicado em 1931, no número trigésimo terceiro da revista Presença.
Apesar de já teres feito algumas publicações, nomeadamente os livros “Lírios do Monte “ e ”Longe”, foi só em 1948 que começaste a publicação a sério do teu trabalho, com “Poesia I” e “Homenagem Poética a Gomes Leal.
Ganhaste em 1961 o Grande Prémio da Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, com “Poesia III”.
Não deve ter sido fácil, com a PIDE e o Estado Novo a controlarem a vida e a imaginação dos nossos artistas…
Amor que me fere,
chame-se mulher,
onda de veludo,
pátria mal-amada,
chame-se "amar nada"
chame-se "amar tudo".

Quando soube que participaste em todos os grandes momentos democráticos e antifascistas e no MUD (Movimento de Unidade Democrática) e  colaboraste com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro", nem consegues imaginar como o teu exemplo me incendiou… Peguei nos meus dias e fui atear as nuvens de fogo, com a exuberância e urgência que tu me gritavas e eu tentava ampliar até ao infinito!
Quando cheguei a Lisboa, em 1979, já tu eras Presidente da Associação Portuguesa de Escritores -1978- e foste candidato, em 1979, da APU (Aliança Povo Unido), por Lisboa, nas eleições legislativas intercalares desse ano.
Andava eu, então pelas ruas de Lisboa, a recitar-te:
 Vai-te, Poesia!
Deixa-me ver a vida
exacta e intolerável
neste planeta feito de carne humana a chorar
onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos
com bandeiras de lume nos olhos,
para fabricar sonhos
carregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, Poesia!
Não quero cantar.Quero gritar!
Associaste-te ao PCP (Partido Comunista Português) em Fevereiro do ano seguinte. Foste condecorado pelo Presidente Ramalho Eanes como grande oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada, recebendo posteriormente o grau de grande oficial da Ordem da Liberdade.
Soube pelos jornais que foste homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores -1983- e submetido a uma delicada intervenção cirúrgica.
Se eu tivesse tempo, espaço e engenho para te falar do eco dos teus livros, dos teus sonhos em mim… E como decorei os teus poemas e os declamava pelos caminhos e ruas que em mim fiz...
As Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo",1963, foram uma revelação para mim, que sou professor. Nunca mais quis ser um “choraquelogobebense”! E o medo fugiu para bem longe!
Uma tarde estava sentado no Café Gelo, em Lisboa, no Rossio e vi-te passar.
No mesmo café onde  muitos anos atrás queimaste um retrato do Sidónio Paes, pouco tempo antes de este ter sido vítima do atentado mortal na estação do Rossio em Lisboa. Lembras-te?!

Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...”
Caminhavas com alguma dificuldade no passeio, mas os teus longos cabelos brancos e o sorriso da cor de todas as madrugadas ainda brilhavam no teu olhar. Quando te vi, hesitei e pensei: o grande José Gomes Ferreira!
E fiquei a pensar: Ah! Se tivesses tempo e eu te pudesse falar   de "O Mundo Desabitado", 1960, "O Mundo dos Outros - histórias e vagabundagens",1950, "Os segredos de Lisboa” 1962,  "O Irreal Quotidiano - histórias e invenções", 1971, "Gaveta de Nuvens - tarefas e tentames literários", 1975, "O sabor das Trevas - Romance-alegoria", 1976, "Coleccionador de Absurdos", 1978… Ah! Se tu tivesses tempo…
Mas falar-te para quê? Não foste tu que os sonhaste?
Terás tempo para um abraço?!
Não és tu o coleccionador de absurdos?
Vou abraçar-te !
E neste abraço vai o abraço de todos aqueles que não desistiram do sonho militantemente…
Como caminhavas devagar, acompanhado por duas pessoas ao teu lado, hesitei. Mas existiu um abraço! Um abraço do tamanho do mundo! Fiquei tão feliz! Eu abracei-te! Eu abracei o homem que vivia de mãos dadas com as palavras, o mundo e a magia dos sonhos! E fui dali mais feliz que uma flor a rasgar a seiva num dia de verão!
Quando ouvi na rádio dois anos depois, a 8 de Fevereiro de 1985, que tinhas falecido, vítima de uma doença prolongada, chorei! Chorei a tristeza do “nunca mais!” E saí para a rua a limpar as lágrimas da morte que me tinha invadido:
Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!”
Quando regressei a casa só me lembrava:
 “O mundo cheira tão bem a trevos ausentes!” Se Eu Agora Inventasse o Mundo!
Em 1990, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Jorge Sampaio, descerrou uma lápide em tua homenagem. Na Avenida Rio de Janeiro, tua última morada durante longos anos, aquele rés-do-chão onde a porta estava sempre aberta para quem viesse procurar-te.
Li numa crítica de que tu procuravas “ efeitos de uma aparente sensibilidade em reacção espontânea, pela simplicidade do vocabulário, a atenção à naturalidade dos ritmos e pela sua disponibilidade permanente para um encontro mágico entre as palavras”.
Eu não sou crítico literário, mas não gosto do “aparente”. Em ti nada é aparente! Concordo com o encontro mágico entre as palavras, mas…e os sonhos?
Por isso, gosto mais do que disseram dois grandes estudiosos da Literatura Portuguesa, António José Saraiva e Óscar Lopes, na “ História da Literatura Portuguesa”. Eles escreveram que tu foste “o porta-voz de um sentimento de remorso e responsabilização do intelectual por todas as brutalidades e injustiças, pelo drama colectivo nas últimas cinco décadas do século XX em Portugal “.
 “E os sonhos?”.
Deixem-nos um planeta sem vales rumorosos de ecos húmidos
nem mulheres de flores nas planícies estendidas.
Um planeta feito de lágrimas e montes de sucata
com morcegos a trazerem nas asas a penumbra das tocas.
E estrelas que rompem do ferro fundente dos fornos!
E cavalos negros nas nuvens de fumo das fábricas!
E flores de punhos cerrados das multidões em alma!
E barracões, e vielas, e vícios, e escravos
a suarem um simulacro de vida
entre bolor, fome, mãos de súplica e cadáveres,
montes de cadáveres, milhões de cadáveres, silêncios de cadáveres e pedras!”

Deixamos-te uma escola com o teu nome. Foi projectada em Lisboa pelo teu filho Raul Hestnes Ferreira, a Escola Secundária de José Gomes Ferreira em tua homenagem.
Fica descansado poeta. Um dia nesta escola vão ensinar, a todos, a magia dos sonhos! Em todas as escolas, em tua homenagem!
Vivam, apenas
Vivam, apenas.
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento
naturais como as fontes.
Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.
Mas não queiram convencer os cardos
a transformar os espinhos
em rosas e canções.
E principalmente não pensem na Morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.
Vivam, apenas.
A morte é para os mortos”
Dizias às vezes nas tuas tertúlias de Amigos: "Até 2000 ainda espero…Depois desisto"!
Ah! Enganaste-te! Uma vez na vida enganaste-te!
Voltei a encontrar-te, na Biblioteca Nacional de Portugal, onde está o teu espólio e em Oeiras, no Parque dos Poetas! Vê lá tu! Em Oeiras!... E gosto do teu ar altivo, vertical, vendo longe, cabelos ao sabor da maresia e com os olhos no coração de quem passa!  Que bem fez o escultor Francisco Simões ao salientar-te o crânio, de acordo com o teu perfil moral. A mão por trás da cabeça e o braço numa posição quase penitente, em corência com um dorido olhar sobre a vida.
A morte não é para todos. “A morte é para os mortos”.
Aquele abraço, poeta! Até sempre!



Obrigado, Vera! Obrigado, António!

Manuel Rodas
Oeiras, 17 de março 2013






BIBLIOGRAFIA


Poesia
 "Lírios do Monte" - 1918
 "Longe" - 1921
 "Marchas, Danças e Canções" (colab.) - 1946
 "Poesia I" - 1948
 "Homenagem Poética a Gomes Leal" (colab.) - 1948
 "Líricas" (colab.) - 1950
 "Poesia II" - 1950
 "Eléctico" - 1956
 "Poesia III" - 1962
 "Poesia IV" - 1970
 "Poesia V" - 1973
 "Poeta Militante I, II e III" - 1978
Ficção
"O Mundo Desabitado" - 1960
"O Mundo dos Outros - histórias e vagabundagens" - 1950
"Os segredos de Lisboa" - 1962
"Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo" - 1963
"O Irreal Quotidiano - histórias e invenções" - 1971
"Gaveta de Nuvens - tarefas e tentames literários" - 1975
"O sabor das Trevas - Romance-alegoria" - 1976
"Coleccionador de Absurdos" - 1978
"Caprichos Teatrais" - 1978
"O Enigma da Árvore Enamorada - Divertimento em forma de Novela quase Policial" - 1980
Crónicas
"Revolução Necessária" - 1975
"Intervenção Sonâmbula" - 1977

Memórias e Diários
"A Memória das Palavras - ou o gosto de falar de mim" - 1965
"Imitação dos Dias - Diário Inventado" - 1966
"Relatório de Sombras - ou a Memória das Palavras II" - 1980
"Passos Efémeros - Dias Comuns I" - 1990
"Dias Comuns"

Contos
"Contos" - 1958
"Tempo Escandinavo" - 1969

Ensaios e Estudos
"Guilherme Braga" (colaboração na "Perspectiva da Literatura Portuguesa do séc. XIX") - 1948
"Líricas" (colaboração) - 1950
"Folhas Caídas" de Almeida Garrett (introdução) - 1955
"Contos Tradicionais Portugueses" (colaboração na escolha e comentação; prefácio) - 1958
"A Poesia de José Fernandes Fafe" - 1963
"Situação da Arte" (colaboração) - 1968
"Vietnam (os escritores tomam posição)" (colaboração) - 1968
"José Régio" (colaboração no "In Memorium de José Régio") - 1970
"A Filha do Arcediago" de Camilo Castelo Branco (nota preliminar) - 1971
"Lisboa na Moderna Pintura Portuguesa" (colaboração) - 1971
"Uma Inútil Nota Preambular" de Aquilino Ribeiro (introdução a "Um Escritor confessa-se") - 1972

Traduções
"A Casa de Bernarda Alba" de Frederico Garcia Lorca (colaboração)
"O Livro das Mil e Uma Noites" - 1926

Discografia
"Poesia" - Philips - 1969 série "Poesia Portuguesa"
"Poesia IV" - Philips - 1971 série "Poesia Portuguesa"
"Poesia V" - Decca / Valentim de Carvalho - 1973 série "A Voz e o Texto"
"Entrevista 12 - José Gomes Ferreira" - Guilda da Música / Sassetti - 1973 série "Disco Falado"
"Parece impossível mas sou uma Nuvem"


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Dicionário de Literatura, 5 volumes, COELHO, Jacinto do Prado (dir.lit), 3ªedição, Porto, Figueirinhas, 1992
Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 20 vols., secretariado por MAGALHÃES, António Pereira Dias; OLIVEIRA, Manuel Alves; 1ª ed., Lisboa, editorial Verbo, 1973
MARQUES, A.H.de Oliveira Marques, História de Portugal, 8ª ed., 2 vols., Lisboa, Palas Editores, 1980
DROZ, Bernard, ROWLEY, Anthony, História do séc.XX, 1ªedição, 4 volumes, Lisboa, Publicações D.Quixote, Colecção "Biblioteca de História", 1988 (tradução do francês Histoire générale du XXe siècle, de FAGUNDES, João, s.l., Éditions du Seuil, 1986)
SARAIVA, António José; LOPES, Óscar, História da Literatura Portuguesa, 6ª ed., Porto, Porto Editora Limitada, s.d.
TRIGUEIROS, Luís Forjaz, É fácil amar Lisboa, 1ª ed., Lisboa, Editorial Verbo, 1989
REIS, A.do Carmo, Atlas de História de Portugal, 2ª ed., Lisboa, edições Asa, 1987
TORRES, Alexandre P., Vida e Obra de José Gomes Ferreira, 1ªedição, Amadora, Livraria Bertrand, 1975
História de Portugal em datas, coordenado por RODRIGUES, António Simões, 1ªedição, s.l., Círculo de Leitores, 1994



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