quinta-feira, 5 de março de 2020

Árvore




Era uma vez uma árvore que precisava dum menino
e o menino precisava da amizade duma árvore
não era uma árvore qualquer
era aquela, com olhar de mulher

Um dia, ou uma noite, ou talvez, um instante
o menino adormeceu encostado na escolhida
e...quando acordou do sonho ou durante
a árvore estava desaparecida

Estranhou o menino o campo aberto
onde antes estava  sua amiga
agora reinava o maior deserto
nada havia por perto
a não ser um menino mais esperto

Foi-se dali pensativo
como tal podia acontecer
um dia a árvore está
no outro tinha deixado de ser

Fechou os olhos na noite escura 
ouviu uma voz a falar
vim para ficar 
natural e consciente
porque assim quis
precisas ver um palmo
em frente do nariz

Foi nessa altura 
que menino sentiu folhas nos cabelos
raízes no corpo
seiva na boca doce
e de tão leve 
voou como os pássaros

MRodas
5-3-20









quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O meu cão Porto



Lembro-me quando ele chegou a casa. 
Era Inverno e acordamos sobressaltados com as pancadas na porta. O tio João Manuel da Várzea veio trazê-lo preso por uma corda. “É um sabujo, veio de Castro!”
Ainda pequeno, talvez quatro ou cinco meses, segundo meu pai, talvez mais, de acordo com o homem. 
As patas como punhos fechados, o peito largo e possante, e as pernas compridas indicavam a meu pai, que iria ser um belo animal.
“Porto, anda cá Porto!” Assim o batizou o meu pai, sem mais, nem menos. E o animal parecia responder, abanava o rabo e com ar tímido procurava os afagos nas mãos dele. Eu tinha algum receio e curiosidade. Era grande e escuro, mas tinha um ar amistoso. Foi o meu companheiro de muitas aventuras, ditas e desditas, embora a sua boca enorme, com os dentes brancos, fosse sempre, para mim, uma fonte de preocupações...
Aos poucos cresceu e era um belo animal! Possante, destemido, dava coragem a qualquer um. Até a minha mãe dizia que com ele podia atravessar a serra, à noite, sozinha. 
O Tio João da Fonte também tinha um cão possante e nalguns domingos, para combater o tédio e acrescentar alguma adrenalina à sua vida, vinha até nossa casa, para pegar os cães. Falavam do tempo, quem tinha nascido e morrido em Cunhas e por fim 
- Vamos lá comadre? 
A minha mãe ria-se a lembrar-se das lutas de cães, em casa do pai. O meu pai ficava contrariado, não gostava de ver os cães à luta, mas parecia mal, virar as costas a um desafio. Era dar parte de fraco, de medo de perder…
- Tire a coleira de pregos ao seu cão, compadre!- dizia minha mãe.
O meu pai ia soltar o Porto e no largo, em volta da casa dava-se início ao espetáculo: Os cães engalfinhavam-se, quase sem ladrar ou rosnar e tentavam abocanhar o pescoço do outro. 
- Parecem dois homens assim direitos! - dizia minha mãe, entre o divertido e preocupada, com o desfecho.
Os cães mantinham-se de pé, rodopiavam a tentar morder o outro, descobrir o seu ponto fraco, com os olhos em chamas, e por fim, num golpe de maior destreza, um dentava o outro e já não mais o largava até que era preciso ir buscar uns baldes de água para os separar...
Cada um agarrava o seu e o combate estava terminado, entre latidos, saliva, sangue e raiva, ou por uma vitória clara, ou por um empate técnico. Em qualquer dos casos, haveria sempre uma próxima vez.
Eu gostava que o Porto ganhasse, mas sempre me afligia quando via sangue e ficava repartido entre o aplauso da minha mãe e a reprovação de meu pai, que não concordava, achava selvagem esse costume, mas não tinha coragem para dizer não. A minha mãe ria-se, voltava às memórias da casa do pai e dizia:
- Deixa lá Zé, mais buraco menos buraco não faz mal, não queremos a pele para fole de farinha!
O meu pai mostrava o seu descontentamento, “ Ele esfrega-lhe os lábios com piripiri e deita-lhe pólvora moída na comida, para ficar mais nervoso e com mais garra... Isto é bárbaro!”
Assim se iam passando os dias, com o Porto sempre a meu lado, mas naquele dia chorei abundantemente. O meu cão Porto, castrejo, castanho às manchas claras e escuras, alto, garboso e possante, revirava os olhos, espumava da boca e contorcia-se no terreiro, como eu nunca tinha visto.
- Acode Zé! - gritava minha mãe.
O azeite ou sabão. É o veneno. Abram-lhe a boca com um pau. Assim atravessado para não morder a língua e agora deita azeite. Para vomitar. Vomita. Vomita Porto. Mais azeite. Mas assim não, está a escorrer para fora. Segura a cabeça.
O azeite borbulhava ao fundo da boca rósea, ao mesmo tempo que o cão arfava, cada vez mais lentamente e os olhos reviravam-se numa agonia de despedida a lembrar-se das nossas corridas e brincadeiras: Apanha Porto, vai buscar o pau, vai Porto. Anda Porto, não te vás ainda. Quem brincaria comigo? Não Porto. Não fiques frio e amarelo. Porto! Porto, Porto, meu amigo…que me deixas nesta solidão…fria de morrer! Porto! Quem me lamberá as feridas como tu? E como vou dormir debaixo da "canacipe" sem ti? A quem afagarei? Quem me faz companhia enquanto meus pais não chegam? Como posso ir mais longe que o terreiro sem ti, Porto? Portu... meu amigo, meu irmão, não morras… Portu…Poortuu… não vás já, uma última corrida antes de ires... Pooortuuuu…
- Deixa Zé, já não vale a pena. Foi-se! Perdeu-se o cão e perdeu-se o azeite e tão caro que está. Que pena! Com o que gastei com ele dava para alimentar um porco!
O meu pai, com ar resignado, arrastava-o pelas pernas e com a enxada, silenciosamente abria-lhe a cova, no quintal, no canteiro das flores, e só mais tarde recordávamos os melhores momentos da vida do cão e abríamos a porta à saudade.
- E agora, pai?
“Deixa lá, qualquer dia arranjamos outro”!
Outra vez aquele muro alto com tecto escuro, inexpugnável, a circundar-me, a agarrar-me... Tinha de fugir!
Uma parte de mim morreu e outra nasceu com o meu cão Porto!

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Começou a primavera



Começou a primavera
e por isso
voltaram as viagens
contigo

Sei que esperaste por mim
Tosses e queixas-te 
são os invernos frios
São as alergias e dores

Mas 
não resistes a uma viagem de cabelos ao vento
conheço o teu sorriso no espelho
e as tuas mãos no meu corpo

As tuas mãos não pedem segurança
elas pedem que o vento nos leve
na direção das promessas de verão 

Vamos ao rio Lisandro
ver a cor da areia
ou
vamos a Mafra ouvir os carrilhões?

Vamos, eis o que importa
Se não voltarmos
 foi porque o vento não estava de feição 
e afastou de nós 
terras de Espanha e areias de Portugal!

Sobe a Gávea Real e diz o que vês 
dentro de nós 
Se é o mundo por descobrir
Ou talvez
a vida a escrever o que há de vir

MRodas


E



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Caniço

Descobri as fotos no Museu Nacional de Arqueologia e a partir daí, lembrei-me como se fazia um caniço, para guardar espigas de milho. São memórias dos meus cinco anos, contemporâneas do caniço das fotos.




Os caniços de varas, em Soajo, 1958!
Teria 4 ou 5 anos e ainda assisti à construção de um contemporâneo, em Ramil.
Agradeço que quem saiba mais do que eu me lembro que acrescente nos comentários.
Primeiro escolheram o local arejado e batido pelo sol.
Depois cruzaram quatro troncos num quadrado, ( como mostra a fotografia) e com uma pua fizeram os buracos por onde enfiaram as cunhas ou cunhetes de carvalho, fixando, desse modo, os troncos que serviriam de base e apoio do caniço. Estes troncos eram suportados por pedras, de modo a permitir que a água passasse sem encharcar o madeiramento.
Mais tarde, fizeram-se uns furos nestes troncos, à mesma distância uns dos outros, onde enfiaram e se fixaram as varas. Nesta base foram aplicadas várias tábuas, com ligeiros intervalos entre si, permitindo a ventilação e o suporte das espigas de milho. Era o sobrado do caniço. 
As giestas, entretanto retorcidas, foram-se entrelaçando, como um tecido por entre as varas, começando debaixo ao cimo, formando um cilindro. Na sua base ficou uma abertura por onde cabia a cabeça dum homem e por onde se retirariam as espigas, quando necessário.
Entretanto dois homens iniciavam a construção do “ crucho”, como se diz em Soajo, ou corucho.
Retorciam duas varas, em forma de círculo, com dimensões semelhantes às do cilindro, donde saiam outras varas até se formar um cone. Nestas varas foi entrelaçada a palha de centeio, sendo a cobertura total e protegendo o caniço da água da chuva, com um remate de cortiça, como na fotografia.
De seguida, com duas vergas fixou-se a cobertura ao cimo do caniço, funcionando estas como dobradiças, para em caso de necessidade, se ter acesso por esta cobertura.
E pronto, no final, cansados, mas satisfeitos com a obra, ficaram a imaginar colheitas abundantes, com uma malga de vinho, na mão.


Nos dias seguintes vi a minha mãe a circundar o caniço com tojo, para o proteger dos cães e outros animais.

MRodas




sábado, 8 de fevereiro de 2020

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É estranho, nesta semana o blogue teve mais leitores na Ucrania, do que no Brasil.

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