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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Caniço

Descobri as fotos no Museu Nacional de Arqueologia e a partir daí, lembrei-me como se fazia um caniço, para guardar espigas de milho. São memórias dos meus cinco anos, contemporâneas do caniço das fotos.




Os caniços de varas, em Soajo, 1958!
Teria 4 ou 5 anos e ainda assisti à construção de um contemporâneo, em Ramil.
Agradeço que quem saiba mais do que eu me lembro que acrescente nos comentários.
Primeiro escolheram o local arejado e batido pelo sol.
Depois cruzaram quatro troncos num quadrado, ( como mostra a fotografia) e com uma pua fizeram os buracos por onde enfiaram as cunhas ou cunhetes de carvalho, fixando, desse modo, os troncos que serviriam de base e apoio do caniço. Estes troncos eram suportados por pedras, de modo a permitir que a água passasse sem encharcar o madeiramento.
Mais tarde, fizeram-se uns furos nestes troncos, à mesma distância uns dos outros, onde enfiaram e se fixaram as varas. Nesta base foram aplicadas várias tábuas, com ligeiros intervalos entre si, permitindo a ventilação e o suporte das espigas de milho. Era o sobrado do caniço. 
As giestas, entretanto retorcidas, foram-se entrelaçando, como um tecido por entre as varas, começando debaixo ao cimo, formando um cilindro. Na sua base ficou uma abertura por onde cabia a cabeça dum homem e por onde se retirariam as espigas, quando necessário.
Entretanto dois homens iniciavam a construção do “ crucho”, como se diz em Soajo, ou corucho.
Retorciam duas varas, em forma de círculo, com dimensões semelhantes às do cilindro, donde saiam outras varas até se formar um cone. Nestas varas foi entrelaçada a palha de centeio, sendo a cobertura total e protegendo o caniço da água da chuva, com um remate de cortiça, como na fotografia.
De seguida, com duas vergas fixou-se a cobertura ao cimo do caniço, funcionando estas como dobradiças, para em caso de necessidade, se ter acesso por esta cobertura.
E pronto, no final, cansados, mas satisfeitos com a obra, ficaram a imaginar colheitas abundantes, com uma malga de vinho, na mão.


Nos dias seguintes vi a minha mãe a circundar o caniço com tojo, para o proteger dos cães e outros animais.

MRodas




terça-feira, 21 de janeiro de 2020

História e perspectivas futuras para o desenvolvimento da zona compreendida por Soajo, Castro Laboreiro, Lindoso , Lobios e Entrimo




(Ver videos no final do texto)



História e perspectivas futuras para o desenvolvimento da zona compreendida por Soajo, Castro Laboreiro, Peneda, Lindoso, Lobios e  Entrimo 


A expressão contrabando designa a introdução clandestina de produtos num território demarcado por uma fronteira político-administrativa.
As trocas comerciais entre a zona raiana da serra de Soajo e as zonas galegas vizinhas desde sempre foram reprimidas, sendo apenas autorizadas em casos especiais, como foi o caso da concessão aos  Monteiros de Soajo, o privilégio para vender seu gado na Galiza, “para  repairo  do seu mantimento”, conforme  Carta de D. João II e confirmada por D. Manuel I datada no Porto, 12 de Dezembro de 1483, (Datas1498-12-08, Código de referência PT/TT/CHR/K/32/55-179, Cota atual Chancelaria de D. Manuel I, liv. 32, fl. 55).
Durante a revolução espanhola muitos republicanos se abrigaram na generosidade da serra e das gentes raianas.  Um relatório da PVDE de 27 de setembro de 1937 referia que nas regiões montanhosas de Castro Laboreiro encontravam-se escondidos nas furnas, em plena montanha, bastantes espanhóis. 
Esta polícia queixava-se de algumas surtidas mas, dada a configuração do terreno e uma frente de 50 quilómetros, eram pouco profícuas. Em 1940, um comandante da GNR destacado para a região de Castro Laboreiro, para acabar com a presença mais do que evidente dos refugiados, queixava-se aos seus superiores da empreitada que lhe tinha sido confiada, declarando que para tal seriam precisos milhares de homens.  
O mesmo comandante  queixava-se de que a população vivia  a vida  mais miserável que é possível imaginar-se. Mas nem por isso deixou de prestar a sua solidariedade e acolhimento aos refugiados espanhóis, tendo alguns  casado nestas terras.
O problema humano do contrabando, vivido na raia de Castro Laboreiro, Peneda e Soajo  com incidências sociais e dramáticas, aparece tratado no cinema português também nos filmes de Jorge Brum do Canto, «Lobos da Serra» (1942) e no romance Serra Brava, de Miguel Ângelo de Barros Ferreira, sendo este bem expressivo e de abundante pormenorização acerca do tráfico de bovinos, aproveitando os campos contíguos das faldas da serra de  Soajo com as pastagens galegas.
O contrabando era principalmente uma tarefa individual, realizada por pessoas a partir dos 12, 13 anos e até que as pernas pudessem aguentar a sinuosidade dos caminhos e o lusco fusco das manhãs e crepúsculos.
Era uma atividade, na maioria das vezes efectuada por mulheres e raramente por homens, realizada a pé, não organizada, não tendo grupos ou chefes.
As más condições de vida a que estavam sujeitos levavam-nos a não perder a oportunidade de complementar os seus rendimentos familiares.
O objectivo era que através do contrabando, os parcos lucros obtidos ajudassem a ultrapassar algumas dificuldades principalmente às famílias mais numerosas e com mais carências económicas, dos dois lados da fronteira.
Todos sabiam que era uma transgressão, um desafio às autoridades, mas era essencialmente, uma oportunidade lucrativa, individual e não sistemática, isto é, ocorria em períodos de maior necessidade.
Trocavam-se ovos, açúcar e café, por bacalhau, bebidas, enxadas, roupa, talheres e facas de cozinha. Às vezes, estendia-se o olhar e o apetite para coisas como, tabaco, café, sabão, chocolate, açúcar, arroz, panelas de esmalte e…alpercatas.
 Muito raramente alguém tinha uma encomenda dum vizinho e arriscava satisfazê-la, podendo acontecer antes de altura festivas ou cerimoniais, como casamentos e batizados, procurando aí sapatos, perfumes, anéis, escovas do cabelo, travessas do cabelo, ganchos e roupas mais baratas.
Para além deste contrabando individual de cariz doméstico, existia ainda outro contrabando, mais organizado, contrabandistas independentes, contratados, ocasionais e contrabandistas profissionais, homens e mulheres, enleados numa teia complexa de redes e relações sociais, sendo a passagem de mercadorias através da fronteira efectuada pelos mais fracos e que menos beneficiavam com a atividade. 
Dadas as dificuldades de acesso, este tipo de contrabando procurava mais a fronteira de Castro Laboreiro, e Lindoso, enquanto na Várzea e em Paradela era realizada por locais e como estratégia de sobrevivência.
O contrabando  era de tal forma reprimido que havia vários quartéis da Guarda Fiscal, ao longo da fronteira, distando entre si perto de meia dúzia de quilómetros e a sua existência era mais uma forma de demonstrar o poder do Estado e de opressão às comunidades, pelo regime do Estado Novo.
As pessoas desta comunidade mantinham forças de coesão que as tornava solidárias com as necessidades alheias e, assim, a atividade era vista como sendo justificada moralmente, os indivíduos que a praticam são vizinhos honestos e justos, porque compram as mercadorias que passam e fazem-no para sobreviver.
Para alguns havia ainda uma justificação política e afirmação de liberdade e oposição e não se deixam subjugar às regras que lhes são impostas por estado autoritário e indiferente às necessidades individuais.
Outros aspectos da natureza individual da personalidade dos sujeitos eram valorizados, como a coragem, a capacidade de sacrifício, a inteligência para escapar  aos guardas fronteiriços ou a forma como lidavam com a repressão e os castigos, não sendo de negligenciar outros fatores, como a sorte!

Na freguesia de Soajo, os habitantes da Várzea passavam no Salto, antes da Mistura das Águas, dirigiam-se habitualmente e de preferência ao lugar vizinho galego de Olelas para obter as provisões necessárias e realizarem as suas trocas.
Os de Paradela seguiam outro percurso, mais temerário, pois, para além de terem de ludibriar os guardas do Posto de Paradela, enfrentavam ainda as patrulhas do Quartel de Lindoso. Nem uns nem outros desejavam ser encontrados pelos carabineiros, em Espanha.
Desciam ao rio, ao Pontão e na Casiela,  passavam o rio Lima e seguiam para Buscalque, Azeredo, Entrime ou Lobios. No regresso, seguiam ordem inversa sempre com o pé ligeiro e olho fino. Saíam de manha bem cedo e regressavam à tardinha, depois de observar os guardas a regressarem ao posto, com os pastores que regressavam a casa com os gados.

Durante e após a revolução espanhola (1936-1939) a Espanha funcionou como receptor de mercadorias de todo o género oriundas de Portugal, incluindo bens alimentares. Na Várzea e no Olelas, socorreram-se alguns refugiados, ficando na toponímia local o Coto do Fascista e designaram um lugar do lado português, como o Teso do Inimigo.
A relação da Várzea com o Olelas e Entrime era de grande proximidade provocada pelo isolamento dos dois lados e era frequente o convívio nas danças e cantares e festas, bem como na ajuda nos trabalhos domésticos, registaram-se alguns casamentos e padrinhos e afilhados dos dois lado da fronteira. Esta relação de proximidade prolongou-se por muito tempo, pois ainda nos anos 60, eu e meu irmão fomos de Ramil ao Olelas buscar um casal de pombas de rabo de leque, que nos tinha oferecido um amigo de meu pai, Alfredo Broas, grande cantador e pai duma rapariga, Celeste Soares, em Paradela.
Ainda hoje lá se dança o S, o Vira minhoto e a Cana Verde, danças típicas do Minho e de Soajo.
Os habitantes da Várzea e Paradela tinham ainda o direito, baseado no costume, de pastorear as vacas e cavalos no Quinjo, espaço da serra espanhola, como refere José de Sousa Rodas, no livro Por Soajo, ed. Câmara Municipal Arcos de Valdevez, (1999).
Alguns tinham ainda propriedades na margem do rio Laboreiro, mas do lado espanhol.
Conta-se o caso duma mulher de Olelas,  Carolina querer ir à festa à Várzea, a 29 de setembro e, na proximidade da aldeia galega, um Guarda Civil questionou-a sobre o Passaporte.
Esta, sentindo-se em casa e no seu ambiente natural, apoiada pelos vizinhos que com ela faziam o percurso, perguntou ao guarda se ele queria ver mesmo o seu passaporte, ao que ele respondeu que era para isso que ali estava.
Não se fez rogada a mulher, poisando os parcos haveres e de imediato, deitando as duas mão às bainhas das saias, levantando-as, expõe ao guarda a sua intimidade mais pura  e natural, dizendo, Veja, sr. Guarda, o meu passaporte.
Perante a risada geral e o incómodo do guarda, que julgando-a doida, ficou-se a vê-la  pegar nos seus haveres e subir o caminho, em direção à aldeia. Assim, lá foi ela da missa e procissão à arrematação, desta, à mesa farta e daí, à dança, até o sol se começar a pôr e voltar a descer ao rio e regressar ao Olelas, com o Passaporte no mesmo lugar.

Guarda Fiscal

A génese do corpo de fiscalização fronteiriço português, Guarda-fiscal remonta ao século XIX, aquando das reformas do Estado Liberal relativas à importância económico-financeira das fronteiras. A Guarda-Fiscal deriva da junção dos corpos de Guardas de alfândega e Guardas Barreiras. De forma simples, a Guarda-Fiscal surgiu através da conjugação de corpos fiscais embrionários, em 1885.
A estrutura da Guarda-Fiscal sofreu poucas alterações no decorrer da 1º República, passando pela Ditadura Militar até ao Estado Novo. As suas operações continuaram a circunscrever-se ao controlo das fronteiras e à repressão do contrabando. A presença dos militares fiscais nas zonas de fronteiras tinha como função principal reprimir os atos de contrabando, alargando-se a função, nos anos 50 e 60 do século XX, à contenção da emigração ilegal.
Os soldados que viviam nos quartéis, cerca de 8 a 10 homens cada um, eram provenientes principalmente, de zonas rurais do interior e nordeste transmontano e mantinham uma boa vizinhança com os habitantes locais, chegando, nos dias de folga, a colaborar com eles nas tarefas agrícolas.
Alguns casaram com mulheres dos lugares, tendo estas de acompanhar os maridos quando eram transferidos. Para elas, além do apelo do amor, era também uma oportunidade de casarem com um funcionário do Estado, garantindo assim, a subsistência de forma mais desafogada. Neste caso se inclui a irmã de Firmino Barbosa, (meu avô), Maria Barbosa, que casou com um Guarda Fiscal em Paradela e foi com ele viver para Algândega da Fé, nunca mais tendo voltado à sua terra natal.
Os quartéis da guarda Fiscal serviam de repartição e alojamento aos agentes. Na serra de Soajo, distribuíam-se ao longo da fronteira com Espanha, desde Castro Laboreiro, nas freguesias de Ribeiro de Cima, Ribeiro de Baixo, Portelinha, Vila e Ameijoeira,  passando pela Peneda,  Várzea e Paradela, na freguesia de Soajo.
O Posto de Paradela era uma casa agrícola, pertencia a Firmino Barbosa,  adquirida pelo Estado Português, por expropriação forçada, para após obras de adaptação, aí albergar os soldados da Guarda-Fiscal, no ano de ???
O posto da Várzea foi construído de raiz, no ano de ???
Os postos eram comandados por um Cabo e eram dotados de escritório, onde se organizava a parte administrativa e burocrática. Havia ainda uma casa de banho e  cozinha coletivas, dormitório albergando os guardas que estivessem de prontidão ou os agentes que neles residissem permanentemente e uma arrecadação para arrumos diversos e apreensão de material. No posto de Paradela existia um pequena sala de reuniões, onde eram combinadas as saídas, os percursos e as rondas. Ao cimo das escadas, do lado esquerdo, havia uma secretária ocupada pelo comandante, um cabo, que tratava do expediente e comando. 
A área de controlo e de influência de cada posto terminava no início do posto fiscal seguinte, e daí por diante. Assim, o de Lindoso terminava no de Paradela e este no da Várzea e este nos da Peneda e... Castro Laboreiro.
As fiscalizações das áreas pertencentes a cada posto eram feitas por patrulhas móveis.
Alguns acabaram por aí casar e constituir família. Conta-se  que o Guarda Fiscal, pai de Afonso Pinto, cansado de ver as pessoas a passarem no Salto, resolveu ir ao local e depois de fazer uns buracos nas grandes pedras que davam acesso à outra margem, os encheu com pólvora e rastilho e as fez explodir. Satisfeito com o seu trabalho foi à Secção do Comando na Ponte da Barca e após contar o seu feito ao sargento, assegurando que já não passava mais ninguém. O sargento respondeu-lhe que podia ir para casa pois, tinha deixado de fazer falta, tinha acabado com seu ganha pão.
Em Espanha a fiscalização e repressão do contrabando estava a cargo da Guarda Civil de fronteira, vulgarmente conhecidos pelos contrabandistas como carabineiros. Este corpo desempenhava funções semelhantes à Guarda-Fiscal na luta contra o contrabando e as suas origens remontam similarmente ao século XIX:
Já as autoridades portuguesas representavam, no geral, uma ameaça menor às pretensões dos contrabandistas. Por norma, existiram determinados elementos desta força de segurança que «fechavam os olhos» às atividades de contrabando e descaminho.
A forma de atuação das autoridades espanholas era semelhante às autoridades portuguesas. Em Portugal, os Guardas-Fiscais também recorreram, em determinadas situações, à arma de fogo. Normalmente, a arma de fogo servia para demover os infratores, uma forma de aviso. O método mais recorrente passava pelo disparo de dois tiros para o ar e um disparo na direção do alvo, se necessário:
A apreensão das mercadorias era uma situação preferencial em Portugal, mas, no geral, os carabineiros, para além der confiscarem as mercadorias, também prendiam os contrabandistas.
A partir de 1986, com a adesão de Portugal e Espanha à Comunidade Económica Europeia e consequente adopção de uma política de livre circulação de pessoas, mercadorias e capitais entre os Estados membros, o contrabando deixou de existir enquanto prática, substituindo apenas no espaço da memória, e se não for preservada, morrerá também com o passar dos tempos. Esta medida conduziu à desocupação gradual destes imóveis.
 O posto de Paradela foi posto em hasta pública, acabando na posse da Câmara  Municipal de Arcos de Valdevez, que por sua vez, o cedeu para utilização da Associação Cultural, a Casa do Povo de Paradela. Após recuperação e obras de beneficiação é o local de acolhimento de alguns bens da igreja, na cave e a parte restante é utilizada para eventos da referida associação.

O Posto da Várzea passou por várias casas, tendo-se fixado naquela que veria a sua extinção (quando?)

Emigração

Desde muito cedo os soajeiros emigraram para Lisboa, e a partir do sec. XVIII, para o Brasil e para os Estados Unidos da América.  Nos anos 60 do sec. XX, a emigração continuou para os EUA, mas alargou-se também para a Europa  e principalmente para França, com uma diferença substancial. Enquanto a emigração para os Estados Unidos apelava a uma fixação nessas paragens, a emigração para a Europa é temporária e com o desejo permanente de voltar à terra de origem, onde vem passar as férias, compra casa e deseja regressar para passar a ultima etapa de vida na sua terra natal.
São conhecidos casos de soajeiros que, deixando a mulher grávida, nunca mais voltaram, constituindo outra família, no novo continente. E casos houve, em que as mulheres, vestidas de preto, esperaram por eles toda a vida e os pais apenas conheceram os filhos quando estes, após carta de chamada, os reencontraram no novo país!
Nos anos sessenta a emigração ilegal e clandestina “a salto”, com destino a França, irrompeu nas freguesias vizinhas do dois lados da fronteira e no Alto Minho, estendendo-se, em breve, ao país inteiro.
Por Castro Laboreiro, Peneda, Várzea e Lindoso passaram muitos portugueses, uns insatisfeitos com as más condições de vida e pela falta de perspetiva duma vida melhor e perseguidos pelas autoridades e controlados pela PIDE como conta o soajeiro João Fernandes, no livro, Passagens dum Passador, (José Gomes Morais, 2007, Ed. Câmara Municipal de Arcos de Valdevez).
O Caminho do Sacramento referido por João Fernandes, o Miúdo, era o percurso de todos aqueles que procuravam na emigração um mundo melhor. Começava em Soajo, descia à ponte da Ladeira, passava em Cunhas, Paradela e na Várzea, nas poldras, no Salto, antes da Mistura das Águas, atravessava o rio Laboreiro. Era o rio que nos separava da Europa prometida. Reuniam-se no lugar da Ilha, no café Rico, e depois partiam em demanda das terras de França.
A emigração para a Europa representou a maior perda de habitantes destes lugares de que há memória. Em Soajo, em 1960 havia 2977 soajeiros registados. Em 1970 havia 2265, mas penas 251 residentes efetivos. Os restantes tinham emigrado (Passagem de um passador, Morais, José Gomes, ed. Município de Arcos de Valdevez).
Representou também o maior fluxo de verbas nestes territórios. Na freguesia de Soajo, foi visível através das novas roupas e utensílios, como pelas novas construções e da azáfama com que os funcionários bancários calcorreavam a estrada florestal, pelos lugares, nas carrinhas Renault 4, à procura dos francos enviados pelos emigrantes e estimuladas pelo governo português.
 Só mais tarde um banco abriu escritório na Vila de Soajo, com multibanco, evitando as deslocações dos funcionários, pelos lugares, acabando por encerrar em Fev 2014

Toda esta relação, anterior à nacionalidade, de proximidade e amizade com as gentes do lado de lá, se perdeu, porque a barragem do Rio Lima, veio dificultar a passagem da Várzea para o Olelas e, porque as aldeias de Azeredo e Buscalque, no lado galego, ficaram submersas e o seu povo espalhado pelos lugares próximos. Também a emigração dispersou os habitantes dos dois lados pela Europa e reduziu as possibilidades de trocas sociais e afectivas ao período das férias.
Contudo, no verão é com entusiasmo que vemos os soajeiros almoçarem em Entrimo, a irem ao banhos e feiras a Lobios, comprarem produtos hortícolas, panos e outros utensílios variados e comunicarem entre si como do mesmo povo se tratasse. E se não vemos mais galegos do lado de cá, é porque, para além da restauração, pouco mais temos para lhes oferecer, mas é um gosto vê-los a dançar e cantar nas festas da Peneda e de S. Bartolomeu, na Ponte da Barca.
Havia necessidade de transformar esta convivência milenar em algo produtivo e valorizador desta cultura e deste património, nomeadamente a criação duma rota do contrabando e da emigração, pelo caminho do Sacramento.
Esta zona geográfica entre Soajo, Castro Laboreiro, Peneda, Lindoso, Lobios e  Entrimo detém uma história e uma natureza variada, onde se torna possível e desejável desenvolver projetos que, integrando o turismo de natureza, o turismo cultural, o enoturismo, o turismo cinegético, o turismo alimentar, o turismo em espaço rural e o turismo ativo, pudessem, ainda, desenvolver atividades e projetos decorrentes da exploração desportiva, turística e comercial do imenso e belo lago formado pela barragem do Lima.
Para tal é preciso que os investidores e as autarquias locais dos dois países, com uma visão prospetiva de futuro, congreguem esforços e mobilizem investimentos afectivos, sociais e financeiros,  de modo a tornarem possível o desenvolvimento desta região e da relação comum com uma história fraternal e milenar, tanto mais que a Comunidade Económica Europeia apoia estes projetos transfronteiriços.

Manuel Rodas


Questões em aberto neste artigo,

1. Informação sobre os quartéis de Castro Laboreiro, Peneda, Várzea e Paradela.

Para ver

https://www.noticiasmagazine.pt/2018/amores-tempo-guerra/historias/231363/?fbclid=IwAR1p6a2b3xAU92un__W6Lmhv0BLF5hgAGl7cWdUyRr06kQHUxMOXVoQ8xzY


Dois videos que falam sobre esta proximidade 
A fronteira será escrita

https://www.youtube.com/watch?v=UN9G-C_EwHg


https://www.youtube.com/watch?v=vTT5Ib1XlIE&t=862s





sábado, 5 de janeiro de 2019

Por Soajo

Já se encontra disponível na Biblioteca Nacional o livro POR SOAJO, de José de Sousa Rodas. É um livro que reune textos sobre a vida do autor e todas as crónicas, sobre Soajo e publicadas no Jornal A VANGUARDA, de Arcos de Valdevez, entre os anos 50 e 70 do século XX Quem quiser saber a história de Soajo no Sec. XX, terá obrigatoriamente de o ler e consultar.
A publicação deste livro pela Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, em 2018, inclui-se numa homenagem ao autor, pelo centésimo ano do seu nascimento, 1918-2018. A todos que contribuíram para esta edição, muito obrigado!
O livro encontra-se à venda na CASA DAS ARTES, em Arcos de Valdevez e para consulta na Biblioteca Nacional, em Lisboa!

BOAS LEITURAS!


quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A responsabilidade dos pais


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Excerto do futuro livro de José de Sousa Rodas, integrado nas comemorações do seu centenário 1918-2018

Foram incluídas nesta edição os textos publicados nas crónicas, referentes à educação moral e sexual dos filhos, pela clareza e frontalidade como foram tratados estes temas, que ainda hoje, passado mais de meio século, são motivo de polémica e de fractura na sociedade e na moral conservadora vigente.

 A responsabilidade dos pais
 É hoje muito frequente, verem-se os filhos proferir palavras indecentes, com o inteiro consentimento, ou pelo menos com a maior indiferença por parte dos pais. Isto não está certo. É um abuso, é uma ofensa não só à moral pública como ainda um mau costume, que urge ser reprimido. É mais que certo que todas as crianças devem saber os nomes dos órgãos sexuais e o modo de deles cuidar, as- sim como sabem os nomes de quaisquer outras partes do corpo, contan- to que o ensinamento seja feito pela pessoa devida e no adequado tempo e lugar. Essa informação precisa deve ser dada à criança em tenra idade pelos pais, tutores, professores ou médicos. Se isso se negligencia, por ignorância ou falso pudor, ideias erróneas da natureza e fim da função sexual serão certamente fornecidas num período mais tardio por pessoas ignorantes e, possivelmente, mal-intencionadas, com os correspondentes maus resultados. A nenhuma outra responsabilidade da longa lista de deveres paternais se esquivam os pais com tanta frequência. Por isso, o resultado está à vista [1]
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A fim de auxiliar a esclarecer os assuntos sexuais à criança, os pais podem desejar dar-lhes livros explicativos. É importante que esses livros sejam convenientes para a criança e se ajustem às suas necessidades em relação com as suas próprias experiências quotidianas. Os pais devem fazer todos os esforços para descobrir o que se passa no espírito da criança e não deve haver evasiva a quaisquer perguntas. O sexo é um factor central da vida e há urgente necessidade de declarar compreensão deste assunto, que tanto afecta todos os membros da sociedade. Ser-se afectadamente pudico é disparatado e piegas. É necessário desprezar aquilo que se chama «pudor fictício», quando estão em jogo a imediata paz de espírito e felicidade futura da criança. Os pais concedem-lhes tantas liberdades e abusos noutros aspectos, como consentirem que andem escandalosamente vestidos, que profiram «palavrões», etc., e não os instruem no que tanta falta lhes faz no futuro.[2]
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A informação específica que os pais dão a seus filhos sobre o que diz respeito ao sexo não é tão importante como a atitude que eles próprios criam em relação ao sexo desde os primeiros dias da criança. Não é o que dizem, mas como o dizem, que é significativo. O assunto do sexo deve ser extirpado do mistério mórbido e enganador de que a tradição tolamente rodeou. De contrário, a primeira lição que a criança aprenderá sobre o sexo é de que está associado à ideia de vergonha. Deve ser considerado com o mesmo espírito com que se estuda a higiene dos aparelhos digestivos ou circulatório. Então, será possível ensinar sobre a função sexual de modo natural, sem excitar indevida e doentia curiosidade. Preparai os vossos filhos para enfrentarem o futuro, sem rodeios nem peias, tal qual ele se apresenta, embora sempre dentro da verdadeira e competente moral. Procurai reprimir-lhes o uso e abuso de palavrões indecentes e o exporem-se com vestuários indecorosos e impróprios de sua idade. [3]
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O pedagogo Dr. George E. Gardner dá aos pais, como instrutores de sexualidade, alguns conselhos valiosos. Escreve ele: «Empreguem sempre as palavras correctas e científicas para designar as áreas anatómicas que se discutem com a criança. Sejam tão naturais e práticos quanto possível ao dar informações sobre o sexo. O que se diz à criança sobre o sexo deve ser a verdade e só a verdade. Embora se deva dizer a verdade e apenas a verdade às crianças em resposta às suas perguntas, não é necessário dizer-lhes toda a verdade sobre problemas sexuais, ao mesmo tempo em qualquer altura. Não se deve supor que a criança vai passar pela escola... sem encontrar respostas às suas perguntas em conversa com os companheiros e amigos. Não usem a vida sexual dos animais e plantas como meio de fornecer à criança informações no que diz respeito à fisiologia e anatomia humanas. As respostas evasivas, na intenção de adiar a explicação temida pelos pais, não fazem bem, podem ter por consequência um mal inesperado. Conquistando a confiança da criança, não só poderão andar informados das suas acções, mas também preservá-la de procurar ou até mesmo escutar maus conselhos. É perfeitamente natural que a criança deseje saber alguma coisa da vida, e de como os seres humanos vêm ao mundo». [4]
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Muito se tem dito do mal causado pela masturbação ou abuso da função sexual. Esse mal tem sido propositadamente exagerado por charlatães que, com suas próprias razões egoístas, actuam sobre os terrores das suas vítimas. A mas- turbação ou abuso dos órgãos sexuais na criança é geralmente devida ao quase criminoso descuido ou ignorância dos pais. Em vez de inspirarem preocupações na criança, como muitos pais fazem, devem tentar auxiliá-la a vencer o hábito, por meio de ensinamentos carinhosos e judiciosa supervisão. Deste modo, não resultará perigo sério para a criança. O ensino oposto é o do curandeiro, que profetiza toda a espécie de males imaginários, incluindo perda completa da função sexual e demência. Toda a perturbação real ou imaginária da função sexual em si está extremamente sujeita a conduzir a depressão e inquietação mentais. É essencial, portanto, uma perspectiva animadora ao inspirar um esforço para corrigir maus hábitos. Tal perspectiva é, na verdade, absolutamente garantida em relação ao completo restabelecimento, na maioria dos casos, do jovem que abusou dos seus órgãos sexuais. É triste, todavia, que a prática da masturbação seja geralmente nos jovens, pelo menos nos rapazes, resultante do insucesso dos pais em exercer a devida fiscalização sobre a educação sexual dos seus filhos. [5]





[1] Crónica de 21.8.1966, in Por Soajo, Câmara Municipal Arcos de Valdevez, 2018
[2] Crónica de 18.9.1966, in Por Soajo, Câmara Municipal Arcos de Valdevez, 2018
[3] Crónica de 30.10.1966, in Por Soajo, Câmara Municipal Arcos de Valdevez, 2018
[4] Crónica de 30-10-1966, in Por Soajo, Câmara Municipal Arcos de Valdevez, 2018
[5] Crónica de 3-11-1966, in Por Soajo, Câmara Municipal Arcos de Valdevez, 2018