segunda-feira, 31 de maio de 2021

quarta-feira, 26 de maio de 2021

A última viagem

 Depois que a Mini  morreu fui invadido por uma vontade enorme de a não deixar morrer. 
Sentei-me à secretária e durante longos dias escrevi 10 capítulos e 40 páginas. Depois escolhi as fotografias, imprimir-as e com lápis de pastel de óleo retoquei, acrescentei e inventei. Deste modo, nasceu o livro A ULTIMA VIAGEM que, depois do seu estágio em processo de fermentação, sofrerá uma revisão final e será publicado na Amazon. 
Eis algumas ilustrações e o primeiro e último capítulo.

1 Últimos dias
 
É na viagem que te encontras
 
Já há algum tempo que não me sentia bem. A visão ia faltando e as sombras habitavam os meus olhos, tendo dificuldade em perceber os contornos dos objetos e das pessoas. As imagens não apareciam definidas e até a luz do sol me deixava cega. 
O mesmo se passava com a audição. Sentia que perdia a intensidade e a orientação. 
Dele, apenas a voz e a silhueta permaneciam definidas e claras. Desde sempre que estavam gravadas em mim e as distinguiria em qualquer lugar. Era grande e tinha uma voz sibilante, às vezes cortante e outras uma ternura desconcertante.
Foi com ele que aprendi a encontrar um espaço para mim, na família e em casa. Um lugar no coração desses desconhecidos que, sem eu saber porquê, me adotaram. Vim a saber mais tarde que era um presente para a filha, a Inês, com 7 anos de idade.
Eu tinha nascido em Soajo, filha duma cadela preta, Chihuahua, e dum cão rafeiro que por ela se apaixonou.
Fui adotada aos 3 meses e bem me custou separar-me da minha mãe e da minha irmã. Depois de entregue à Patrícia, que me escolheu, por lhe parecer que melhor me adaptaria a um apartamento que o meu irmão, e ao fim de  4 h de viagem, cheguei finalmente a casa deles mas, como tinham uma viagem planeada, deixaram-me com a Maria Teresa, que passou o fim de semana todo a retirar-me as pulgas. Fiquei-lhe grata para toda a vida, embora viesse a saber que entre os cães e lobos as pulgas constituem uma defesa contra os predadores.
Não era apenas a visão e audição que, para os animais como eu, são órgãos determinantes para assegurar a sobrevivência. Não, não eram apenas esses sentidos que aos poucos estavam a desaparecer. Também os rins cediam e pediam descanso, aumentando as toxinas em circulação no sangue, fazendo com o que o cérebro retomasse as memórias ancestrais da minha espécie, a liberdade. 
Eu sei que estava tudo programado para quando chegasse essa altura eu pudesse partir. Assistia tristemente ao ar desolado da família, com lamentos, queixas, incompreensões, afagos, mimos e idas ao veterinário. Queria poupá-los a esse desgosto, mas não sabia como lhes dizer que tinha de partir. 
Os sinos apenas tocaram a rebate quando resolvi saltar da varanda abaixo. Eu queria partir e não calculei bem a distância até ao chão. Saltei dum primeiro andar. Embora não tivesse partido nenhum dos membros, sentia dores no corpo e o veterinário olhou para mim com consternação, mas não teve coragem de lhes dizer, que eu estava de partida.
Algo dentro de mim me levava a encontrar uma saída, onde pudesse passar para outro lado, ou como a Inês dizia, para outra dimensão. 
Procurava desesperadamente os buracos que encontrava, debaixo das cadeiras, no armário da fruta, entre o vasos do terraço, mas este desespero apenas terminou quando ele disse ao médico:
- O que podemos fazer ainda por ela?
- Muito pouco, ou nada!- disse o doutor.
- Não gostava de a ver a degradar-se desta forma, tanto mais que não tem recuperação. Podemos adormecê-la para sempre?
E foi assim, que ele me pegou ao colo, me afagou com ternura, pensando que se despedia de mim. 
Foram os momentos mais difíceis. Sentimos o meu corpo quente a esvair-se e o coração a parar. Para iniciar a minha viagem de regresso, esperei, esperei, mas no momento certo, saltei para dentro dele e deixei-me ficar a recuperar desta difícil, mas calculada mutação.
Vi-o chorar e despedir-se de mim e do doutor. Ouvi-o dizer, 
Não quero mais animais na minha vida.
Claro que não sorri. O tempo passado juntos, as várias peripécias da nossa vida em conjunto serão para sempre inesquecíveis e este momento era de transformação, não de separação. Ele pensava que era uma despedida definitiva, mas só mais tarde viria a descobrir o quanto se enganara.
Foi bastante depois de ele contar à esposa e à Cristina, o que sucedera e enquanto ele dormia, que recuperei o meu estado atual e descobri que a minha cara estava sobreposta na cara dele, de modo que pudéssemos ver e ouvir  as mesmas coisas e eu fosse os olhos dele e ele a minha visão e audição. Estava preocupada como iria reagir quando acordasse. Ele sentiu-me com estranheza e viu no nariz dele o meu focinho agudo e os olhos penetrantes a perscrutar o horizonte. Sorriu com surpresa e, como ele gostava de fazer, a explicar para si próprio o ser que ele era, disse para consigo,
É uma recusa em deixá-la partir?
Não, não era. Eu ainda precisava dele para completar a minha viagem e ele ainda precisava de mim para ter acesso a outro mundo que permanecia obscuro na sua mente, para descobrir o seu próprio percurso. Mas ele ainda não sabia isso e eu não sabia o caminho para essa viagem. Tínhamos muito para descobrir.


...








10 Fim

 

Os viajantes podem acabar, mas a viagem não

 
Os contornos da Mini no meu nariz eram cada vez menos percetíveis. A sua presença tinha-se diluído
 em todo o meu ser, de tal forma, que sem me aperceber, a unidade tinha-se restabelecido. As histórias
 das nossas viagens permaneciam na minha memória.
- Vou partir para sempre. Vou em busca do meu clã, da minha alcateia, algures num espaço branco e frio, onde o sol nunca se põe. Vou em busca do espaço, onde a luz, o calor e frio não façam diferença. Onde a paz e a tranquilidade sejam permanentes. Deixo-te aqui. Obrigado pela viagem. 
- Se tens de ir, vai. Eu fico bem. 
Ainda a vi aos saltos, a correr sobre a neve  no alto do monte. A ela juntaram-se mais dois cães muito parecidos no tamanho e cor do pelo. Ficaram os três a olhar para mim, durante um longo tempo. Por fim, ela voltou a cabeça para trás, os outros seguiram-na e foi a última vez que a vi. 
Há lágrimas que escorrem para dentro de nós com o calor do fogo. São rios de lava quente a fundir os sulcos por onde hão de passar estas e as outras que virão, regando a existência com flores e orvalho.
Voltei a casa. Pelo caminho pensei escrever esta história que terminará um dia. Por agora, vou descansar. Até breve!

 

Manuel Rodas


 

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Regulamento Geral do Campeonato Distrital de Cantadores ao Desafio

 Regulamento Geral do Campeonato Distrital de Cantadores ao Desafio

 

 

Com o objectivo de estimular e desenvolver o gosto pelas cantigas ao desafio, aumentando o número de participantes e o número de entusiastas e admiradores, organiza-se o Campeonato Distrital de Cantadores ao desafio

 

 

1) Os/as concorrentes têm de ter mais de 16 anos 

2) Os eventos podem abordar qualquer tema em qualquer estilo, 


3) As quadras e cantigas devem ser originais (da autoria dos/as concorrentes), não podendo abordar temas discriminatórios de classes, géneros, raças, etc.; sendo motivo da sua exclusão.

4) O apresentador abre, à sorte, uma página dos Lusíadas e escolhe dois versos, sendo estes o mote para as 3 quadras que o concorrente terá de fazer, de imediato.


5) Nenhum concorrente deve ultrapassar os 5 minutos (as performances serão cronometradas);


6) Se a regra dos 5 minutos for infringida por um cantor, durante a sua atuação, este terá 10 segundos de tolerância; Caso ultrapasse os 5 minutos e 10 segundos, o cantautor verá o seu resultado final penalizado, segundo o seguinte esquema: 0,5 pontos por cada período de 10 segundos acima de 3 min. e 10 seg;


7) Apenas serão permitidos os acompanhamentos musicais convidados pelos concorrentes, tocados na altura, sem recurso a meios elétricos e gravações.

8) No final há um confronto entre o 1º e o 2º concorrente, ou em caso de empate, que livremente se desafiarão por um período determinado pelo organizador, nunca superior a 30 minutos.


9) O júri é composto por entre 3 a 5 elementos idóneos e escolhidos/as de entre o público presente em cada sessão e sem ligação familiar ou de amizade com os concorrentes.

Após a exibição do concorrente cada elemento do júri atribuir-lhe-á uma pontuação numa escala de 0 a 10. 

 

10) O júri tem de ter em conta a performance do concorrente, a apresentação, empatia com o público e o conteúdo das cantigas;


11) O concurso desenrola-se por várias eliminatórias, tantas quantas as necessárias, de acordo com o número de participantes, até se apurar o vencedor da freguesia. 

 

12) Na sede do concelho realiza-se a final, ou finais necessárias para apurar o vencedor do concelho e no distrito, seguindo a mesma organização.


13) A decisão do júri é final. Os/as concorrentes não poderão recorrer dos resultados das pontuações atribuídas pelo júri;


14) Os participantes receberão os prémios que as organizações anunciarem e forem capazes de obter.

 

 

Funções do(s) organizador(s)

 

Anunciar a data e prémios do evento 

Garantir boas condições do local  

Recolher as inscrições

Escolher o Júri

Apresentar os concorrentes

Somar as votações 

Anunciar os vencedores

Decidir sobre o que este Regulamento é omisso. Das suas decisões não há recurso.

 

 

domingo, 4 de abril de 2021

Lídia

  

LÍDIA

 

Lembro-me de ti , menina

 A serenares o tempo

 Com uma bilha pela mão

E afagares as searas e as papoilas que se curvavam no teu caminho

Quando saias de Oeiras e ias a Paço D’Arcos 

Esperar que a senhora tirasse o leite à vaca 

Que havias de trazer para casa

Sem ninguém adivinhar 

Como os pássaros cantavam e o sol se calava 

À tua passagem em passos breves

 

Lembro.me de ti a serenares o vento nas tempestades

Acalmares as marés  

E sorrires às ervas e flores

Enquanto cantavas ao som das águas a correr

 

Lembro-me de ti 

Nas fotografias que imaginavas

Sempre em busca do significado para que o mundo sorrisse contigo

 

Lembro-me de ti a sorrir 

e a sorrir ficarás connosco

Para que sorrias sempre, amiga

E o sorriso tenha asas leves

Como a mariposa  que de tão breve 

Nos inunda de eternidade e beleza.

 

Manuel Rodas

quarta-feira, 17 de março de 2021

Ler faz bem ao corpo e à alma!

 

Ler faz bem ao corpo e à alma

À menina e ao menino

A rapariga fica mais calma

E o rapaz ...mais fino!


Procura na Amazon.com os meus livros! Em papel ou em ebook! Boas leituras!



terça-feira, 26 de janeiro de 2021

O comendador


 O comendador sorriu e teve um ai

de aflição e dor

Sobrou uma vacina covid

e por amor 

a si proprio 

bebeu-a

com aprovação da enfermeira 

que de joelhos procurava a seringa


Rodas





Coro dos escravos, Verdi

sábado, 2 de janeiro de 2021

Desculpa

 



Desculpa. 


Fiz por ti o que pude e ainda mais faria

se me pedisses e

eu achasse necessário e disso fosse capaz.

Canto os teus sucessos

empolgo-me com as tuas aventuras e as traições que te fizeram

os amores que te ajudaram a ser quem és

e os desamores que também te ajudaram a recusar quem não és.


O que eu faria e ...fiz!

Mas não estava à espera que medisses com régua e esquadro o que fiz por ti

nem contabilizaste o que poderia ter feito por ti

com débitos e créditos.

Não, não estava à espera que medisses os meus passos

como se fosse o Zé do Telhado,

a saltar-te ao caminho para te roubar, 

ou exigir a devolução do que te tinha dado.


Não estava à espera e isso magoou-me

vim para casa a espremer a ilusão dum amigo

e depois de me contornar e abrir ao meio

sorri.

De que sorri eu?

Sorri a agradecer a  amizade incompreendida. 

A quem poderia eu desculpar 

se não tivesse um amigo que me ofendesse?

Sim, quem me viria pedir desculpa por me ter ofendido? 

Quem mais me pode ofender que não seja meu amigo?

Por isso, obrigado, amigo.

Sem saberes, deste nova vida à amizade, 

pintaste de preto, para que eu pudesse estender o branco e o azul

partes para que eu possa consertar

arrancas e eu semeio

destróis e eu reconstruo

sujas e eu limpo

feres e rasgas e eu coso.

Quanto vale uma amizade?


MRodas

2 janeiro


sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Estava frio nesse dia

 




Sim,

 Estava muito frio e nós tínhamos acordado em cima dum vulcão!

Melhor, nem chegamos a dormir, porque queríamos estar acordados, para que o mundo não dormisse mais. Como podiam estar todos a dormir, quando a vida gritava por amor? 

Foi pela neve que regressamos. Em silêncio.

Não fomos nós que abandonamos o paraíso, foi o Éden que não suportou o amor. Não tinha sido concebido para isso. 

Pegamos nas brasas, ainda quentes, e fomos incendiar o mundo!

Até hoje!


MRodas

Ano novo?

 



Gostava de te desejar um ano novo

Um ano de lhe tirar o chapéu

Com promessas e realizações 

Sonhos e obras

Beijos e abraços com amor dentro


Mas o ano novo é velho

Velho de problemas

De lágrimas que não secam

Injustiças  ameaças e morte!


Os mesmos se sentarão à mesa e os mesmos ficarão de fora, apanhar migalhas,

À espera da morte

Que quando vem

Não é igual para todos

Como nunca foi

Nem a morte

Nem a vida

Nem o amor

Nem a alegria

Nem a tristeza


E o que esperas de 2021?

Que a nuvens sejam cor de rosa?

Ou que os rios transbordem de açúcar e perfume?

Que o teu vizinho te convide para jantar? 

Nem para chorar querem saber de ti!


Por isso, não vale  a pena esperar um 21 melhor.

Acredito que vais precisar de mim e eu de ti, de nós

Para lutarmos

Denunciar

Gritar

Criar

Dizer que a vida vale a pena e a humanidade é a maior possibilidade

Em liberdade!


MRodas

 

domingo, 27 de dezembro de 2020

Rios

 



Quando te vi, o rio cresceu em mim e percebi que não sabia nadar, eu era apenas uma gota e tu...um rio voluptuoso que prometia arrastar-me para desaguar num oceano inventado, de água doce!

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Obrigado

 Obrigado aos leitores deste blogue. Sem vocês, já teria desistido. Até sempre!


Pítia


 

de ti absorvo os vapores nus

onde se eleva o frenesim da inquieta busca

....

agora que o estertor me invade e a palpitação acelera

a noite cai na vastidão do impossível

tremem as vértebras de reverberação 

estrondo de beijos que se desfazem no céu

e irrigam a flores

e o verde que de ti brota


vai

vai embrulhado nessa escuridão

livre das serpentes e leões

cuidado com as setas que em sílabas formam palavras

para dizeres o que ouviste

se ouviste

ouviste?


mata o que tem de morrer

 e que o povo se defenda dos males

que os deuses espalharam 

no luar da ironia 

quanto mais há para comer

mais a fome ganha tirania-jejuai!


MRodas


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Pégaso


 Meu cavalo alado

Meu sonho ou teimosia

Em cada palavra um brado

Um suspiro um novo dia


Sentir em cada passo teu

A imensa energia

Que a natureza nos deu

Mistura de raiva e alegria


Pégaso, cavalo, coração

Alma de eterna viagem

Colorida no meu chão

A sombra da tua passagem


Arte  sonho ou grito

Raiva fúria e estertor

Cada dia dito e reescrito

Alegria saudade e dor



MRodas




segunda-feira, 19 de outubro de 2020

O meu avô Marujo

Citações poéticas



 


Palavras e magia foram, no princípio, a mesma coisa. 

Sigmund Freud


Eu sei que a poesia é indispensável, mas não sei para quê. 

Jean Cocteau


A poesia não quer adeptos, quer amantes. 

Federico Garcia Lorca


A poesia é a luta contra a iniquidade. 

Charles Baudelaire


A poesia é uma música que se faz com ideias, e por isso com palavras. 

Álvaro de Campos


A poesia é libertada do mito e da razão, mas contém em si sua união. O estado poético nos transporta através da loucura e da sabedoria, e para além delas.
Edgar Morin


O fim da poesia é o de nos colocar em estado poético.

Edgar Morin


Preciso de poesia para viver e quero tê-la sempre ao meu alcance. 

Antonin Artaud

Eu quis realizar minha poesia na vida. 

Antonin Artaud


A poesia transforma a vida: e isso, em determinadas ocasiões, pode ser o pior.
Franz Kafka


Como agente de propaganda, a poesia é o mais frouxo dos veículos literários.
Fialho de Almeida


A poesia não tem presente: ou é esperança, ou saudade. 

Camilo Castelo Branco


A poesia é uma religião sem esperança. 

Jean Cocteau


A poesia aumenta o campo do pensável. 

Vilém Flusser

sábado, 17 de outubro de 2020

Anjos de máscara

 




Quatro  anjos  voaram     de Inglaterra para minha casa.

Durante anos mantiveram conversas animadas na chaminé da lareira, entre o candelabro e um candeeiro de sal.

Mais tarde, pela mão da criança que sou, mudaram-se para cima do aquecedor e fiquei a vê-los a rodarem numa dança patética, em cima das minhas visões, para gáudio e ironia da minha família. A sombra projectava-se na parede, em formas deixando desenhos de festas e danças na minha memória.

Como no verão o aquecedor está desligado, a minha criança voltou a colocá-los em cima do frigorífico e, deste modo, com o calor da ventoinha voltaram a dançar, mas mais devagarinho. As histórias e conversas eram agora mais demoradas e compassadas.

Outro dia, a criança tentou pôr o iogurte a fermentar em cima do frigorífico, aproveitando o calor que dali emanava. 

Um dos anjos não gostou de tanta mudança e desapareceu.

Por isso, os outros  três anjos ficaram suspensos e inclinados no carrocel, cabisbaixos e mudos, deixaram de poder dançar. Também não conseguia ouvir o que diziam, pois a sua voz saía distorcida.

Procurei o anjo, pus anúncios, recompensas, cantei, fiz desenhos que colei na porta do frigorífico e...nada.

Quando imaginei o que poderia substituir o anjo desaparecido, brilhante e  dançarino, só me lembrava de prender  uma mosca que fizesse voar os outros três anjos. Também imaginava que viagem teria feito o desaparecido. Teria voltado para Inglaterra, ou para outras paragens?

Acordei aos gritos vindos da cozinha:

- O anjo, o anjo voltou!

Olhei para ele, de frente, à espera que me gritasse, o céu existe, mas nada! Silencioso e mudo, pensei que não gostava de ser substituído por uma mosca.

E agora, não tenho coragem de o voltar a prender no carrocel dourado, mas também não quero que fuja para Inglaterra e muito menos para a América. 

Libertei a mosca e pus o anjo no seu lugar, para gáudio dos outros três! 

Puxei a cadeira, sentei- me à sua frente e, todos à uma, perguntamos: 

-Diz lá o que viste, por onde andaste  e o que fazes de máscara?

MRodas



sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Caminha


 

Foto, Manuel Rodas


O chafariz do Terreiro
mesmo no meio da praça
Reza ao teu olhar matreiro
que sejas a minha taça!

Do teu olhar ao meu
da tua vida à minha,
Foi uma ida e vinda ao céu
Passando por Caminha!


MRodas 18 set.2020

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

A máscara

 

Tenho sede da tua voz sem cortinas e máscaras
Tenho sede da sede que eu tinha

Bebíamos do mesmo copo
fumávamos do mesmo cigarro
respirávamos o mesmo ar
o mesmo abraço a dizer, meu irmão!

Tirem as amarras que inventaram 
para nos calarem
Tirem as mãos da minha cara
Não queremos morrer silenciados
Roubados

Construímos janelas e pontes
caminhos cartas e mares
Igrejas festas e danças

Dançamos com as palavras pela mão

Se a poesia salva afogados
também mata a sede de viver!

À nossa saúde!

MRodas



terça-feira, 15 de setembro de 2020

Fronteira


 Era um rio e um caminho

uma fronteira que a água e o vento cavaram

em direção ao mar


Surpreendeu-se o mar

por ver as águas vermelhas de sangue

que escorriam dos corpos mutilados

de cavalos estropiados e homens mortos

e uma bandeira a boiar


Atrás duns correram os outros 

a pé e de barco

com mastros e naus

Foram-se daqui a Ceilão e Malaca

deram a volta ao mundo

enquanto a fronteira ficou sempre aqui

e as mulheres esperaram 

noivas por se casarem

e filhos sem saberem dos pais


Foi a espera que os esperou

até os levar de volta ao combate

guerreiros duma Guerra inicial

e obreiros de terras e cidades


Mais uma vez a fronteira os esperou

sempre igual e verde

um rio de águas mansas

breves e loucas 

donas do tempo, preces eternas

grito de amor promessa de regresso 

memória de princesa cigana

vestida de negro e descalça

de mãos estendidas para o lado de lá

onde a saudade mais dói...


Valença 15 set. 2020





terça-feira, 1 de setembro de 2020

Acredito

Acredito que vou morrer
e não tenho medo da morte
desse ir silencioso
sem ruído nem luz ou aplauso
só o silêncio frio a paz sem emoção
a tranquilidade tranquila e segura

A vida vai continuar
e talvez um dia
nos encontremos nas estrelas
ou num grão de areia à beira mar
ou apenas 
na leitura destes poemas

Por eles virei até ti
saber como sorris
e se ainda queres mudar o mundo
com tintas e bandeiras
riso e amor profundo...

MRodas


A bruxa


Quem foi a bruxa alada
que te levou de mim
ver-te parada e suspensa
numa névoa opaca 
de paredes prestas sem luz, nem sombra?

Quem foi o malfeitor 
que suspendeu o teu riso
deixou-te ao frio
presa nas palavras
que não sabemos?

Agarro-te, abraço-te
mas estás moribunda 
em tua vida mais profunda

Ó deuses
ó nuvens, ó sol e lua
forças azuis e verdes da natureza
raio sideral
a vós apelo
que o vosso sussurro
se erga em luz
 e indique o caminho
e nos liberte
do labirinto e do silêncio
destrua estas paredes
que fingem sentimento
mas não deixam passar 
nem luz, nem vento

Eu olho, mas não me vês
Eu olho, mas não te vejo...

Se o olhar cegasse e a alma, finalmente, visse...

MRodas

Agosto existe


Agosto existe
na memória do tempo quente 
abraçar a gente
e de repente
ficar triste

Porque

Agosto já não existe
foi-se
nas noites quentes e suadas
de desejo e frenesim
último mês do ano

Porque

Agosto já não existe
na memória do tempo
e dos corpos suados
suspendeu-se o frenesim
Abel matou Caim

Porque

Este Agosto nunca existiu
fugiu
e nós à espera duma vacina
para a raiva 
de ver o tempo a fugir!

MRodas

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Sol da rua

Para a Inês Pinto, no dia do seu aniversário!




O sol nasce à esquerda da nossa moradia
E espera todo o dia
Pelo teu riso e pela lua 
Para Namorar na nossa rua
E ir adormecer na imaginação
Do teu sorriso pela mão

Onde habitam os sonhos!

MRodas

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Desfolhada

A partir duma fotografia com 5 espigas vermelhas de Diamantino Fernandes


Eram cinco espigas vermelhas
rubras do desejo na saliva do teu olhar
Eram cinco noites de luar
Cinco vezes outras tantas
E o suspiro de te abraçar
E a raiva de te perder

Cinco vezes te percorri
E cinco vezes tu me tiveste
Em cada grão de milho rubro
Da cor de cada despedida

Não sei se era desfolhada ou vindima
Sabias a mosto
A pão e fruta madura

Em cada dia
até o sol morrer
Em cada vida
Até a vida nascer

MRodas

terça-feira, 25 de agosto de 2020

O gaio






Quando era menino tirei um gaio dum ninho
Todos os dias tratei dele e ficava encantado a olhar as suas penas coloridas

Eu cresci e fui de férias!
Quando voltei alguém o tinha libertado e eu nunca mais parei de voar!

Voava no teu sorriso e nos teus sonhos
Voava nos textos de sacola às costas a caminho da escola
Voei enquanto as asas quiseram
E antes das penas se soltarem.

Não foi o sol que derreteu as minhas asas
Foi antes a falta dele
Que deixou de iluminar a minha rota
E as flores foram morrendo no meu caminho.

As asas murcharam e empunhei a espada
Em vão.
Morri na mesma!

MR