- Otília, enquanto estás a ver tv, eu estive a
pensar... e não consigo fazer o retrato prometido. Como se faz um retrato da
nossa própria mulher? Há coisas que são mais fáceis: 56 anos estatura baixa,
pele morena, cabelos grisalhos crespos, sinal no lábio...
- Tudo é difícil no início! – Dizia a mulher a
retorcer os olhos na televisão.
- O difícil é pôr a tua alma no retrato! Como vou
fazer para o retrato contar a pessoa que és?
João soltou uma baforada de fumo do cigarro,
esquecendo-se agora dos anéis e dos círculos perfeitos...
- E como sou eu?
- Lamurienta, mandona, instável, espevitada,
adoras saber tudo sobre todos…
-É
isso que pensas de mim?- Suspendeu o programa da tv e mirou o marido.
- Calma, calma Otília, também és trabalhadora,
determinada…
-
Pois não sabes tu o resto…
-
Qual resto?
E
de mãos na anca, desabafou:
-
Sempre tive um sonho: ser uma mulher bonita que fizesse os homens virarem-se ao
passar por mim! – Sorriu e voltou ao sofá e à tv !
- Ó
Otília Passarinho, o único que se virou fui eu e vê lá o que me aconteceu…
- Tu?
Quem te queria se não fosse eu? – Desta vez não se virou!
-
Eu? Eu era o rapaz mais bem posto da freguesia… pele clara, olhos castanhos,
cabelo liso, sereno e misterioso...
- Ninguém te ligava, sempre muito
reservado, a pescar, a ler...
- E a pensar num mundo melhor, Otília Passarinho, num
mundo melhor!
- E nesse mundo
há lugar para uma mulher de 56 anos se apaixonar?
- Claro Otília! Nesse mundo todos os homens e mulheres
experimentarão várias paixões e milhões de orgasmos!
Tossicou, levantou-se e foi-se dali a cismar, dividido
entre um mundo a inventar e o retrato da mulher!
Que mundo este!
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